A TERRA FECUNDA OU A TERRA PRISÃO? - Denis Castilho

20/07/2011 12:00

           

A formação do espaço agrário brasileiro, como assegura Moreira (1990), foi baseada na concentração de terras e na apropriação pelas classes hegemônicas. Isso gerou uma estrutura latifundiária demasiada desigual, haja vista que quase metade das “terras” brasileiras estão nas mãos de uma pequena parcela da população (pouco mais de 1%). A raiz dessa divisão está no processo colonizador, com a lei das Sesmarias, mas sobretudo no processo de imposição das relações de produção capitalista pelo espaço brasileiro.

Tanto a lei de terras nº 601 de 18 de setembro de 1850 assim como a nova lei de terras nº 4.504 de 30 de novembro de 1964, não promoveram a reforma agrária. Pelo contrário. A primeira lei deu a terra o caráter de propriedade privada e a segunda veio exigir que as mesmas fossem produtivas, não implicando, nessecariamente, em distribuição.

Logicamente que, na medida em que o capitalismo avançou pelo campo, as relações de produção e de trabalho foram alteradas de acordo com os comandos do mercado internacional e da geração de mais valia (absoluta e relativa). Por isso, a reprodução das relações sociais de produção no campo foi (e é) desigual e concentrada. Os incrementos de ciência e tecnologia nas formas de produção (re)inventaram o espaço agrário, que passou a ser locus de alta produção. Surgiram os complexos agroindustriais forjando uma agricultura e pecuária subordinadas ao capital industrial e financeiro. No mesmo contexto, a cidade passou a comandar, cada vez mais, o que se faz no campo. Ao mesmo tempo que ela torna o espaço agrário mais diversificado e multifuncional, as funções ligadas à gestão e oferta de serviços e produtos são ampliados no espaço urbano.

Uma das conseqüências da expansão do modo de produção capitalista pelo espaço agrário brasileiro, além da má distribuição de terras, é a expulsão dos camponeses, que foram e são forçados a migrarem para os grandes centros urbanos. No Brasil esse processo foi emblemático nas décadas de 1970 e 1980, constituindo o que muitos estudiosos chamaram de êxodo rural, onde mais de trinta milhões de camponeses migraram para as cidades. Esse processo favoreceu uma explosão demográfica principalmente nas regiões metropolitanas, aumentando os índices de pobreza, de fome e miséria. O número de desempregados (exército de reserva) aumentou, e enquanto o país batia recordes de produção de alimentos, muitas pessoas ainda passavam (e passam) fome.

Essas contradições permeiam o debate sobre a questão agrária no Brasil. Procura-se compreender as novas formas de configuração desse espaço, sobretudo as novas relações de trabalho e de produção daí resultantes. O território brasileiro, nesse sentido, tem sido produzido por quem e para quem? Seria a “terra” um importante meio de produção, de inserção e de emancipação (por isso fecunda) ou um instrumento de dominação e meio para elevar as taxas de exportação e de geração de riquezas para as classes hegemônicas?

Essas questões demonstram que o debate sobre a questão agrária é fundamentalmente política. E é nesse contexto de contradições que diversos Movimentos Sociais de luta pela terra nasceram. Um exemplo emblemático no Brasil foi o MST – Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, que segundo o Centro de Documentação e Memória da Unesp¹ foi fundado em 1984 em uma reunião durante o primeiro Encontro Nacional dos Trabalhadores Rurais Sem Terra no Estado do Paraná (município de Cascavel). O encontro foi promovido por representantes de movimentos sociais, organizações, sindicatos rurais e com apoio da Comissão Pastoral da Terra. Contrário ao modelo concentrador da propriedade fundiária, o MST vem desenvolvendo uma “luta” pela distribuição das terras.

Diferente do que muitos pensam, a reforma agrária é realizada no Brasil de acordo com as leis e a partir de um debate sério. Também é evidenciado, do ponto de vista legal, o respeito à propriedade privada e aos direitos constitutivos. Logicamente que algumas experiências extrapolam essa “legalidade”. Do ponto de vista dessa institucionalização do debate e das ações para a reforma agrária, podemos mencionar o INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, que foi criado para gerir e/ou propor questões relativas à distribuição de terras às populações camponesas. No entanto, as ações desenvolvidas por este Instituto não têm demonstrado transformações que resolvam os problemas da distribuição de terra no Brasil.

Enquanto isso o MST vem cumprindo o papel de pressionar, de se manifestar, de ocupar e defender os direitos dos trabalhadores rurais. A luta desse movimento tem sido feita no sentido de garantir o acesso a terra e de promover as condições de produção aos assentados (pequenos produtores). Trata-se de uma luta pelos direitos dos trabalhadores rurais sem, contudo, promover uma verdadeira transformação nas relações e nas formas de produção capitalistas. Muitos estudiosos acreditam que a tentativa de reforma agrária no Brasil vem sendo feita de maneira equivocada. Outros defendem que ela é anacrônica e descontextualizada, mas também há aqueles que reforçam os avanços já alcançados e que as lutas e embates são fundamentais.

O debate é polêmico e necessário. Contudo, envolve uma questão de peso ideológico e pode representar uma forma de barrar a verdadeira reforma agrária, o que no fundo vem contemplar os ensejos das classes hegemônicas e conservadoras. Portanto, é preciso questionar, a partir do debate sério, os processos que envolvem a questão da terra no Brasil, mas também não podemos poetizar a pobreza através de resistências e de lutas onde, na verdade, não se transforma o modo conservador de (re)produção das relações sociais que vêm sendo desenvolvidas no território brasileiro. Para não encerrar, deixamos o trecho de uma música de Milton Nascimento e Chico Buarque, onde as palavras e versos podem reforçar a reflexão crítica e alimentar o desejo de uma terra fecunda e pela emancipação:

Afagar a terra
Conhecer os desejos da terra
Cio da terra, a propícia estação
E fecundar o chão...

 

Referências

 

BRASIL. Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850. Lei de terras (Dispõe sobre as terras devolutas do Império). Disponível em

BRASIL. Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964. Estatuto da Terra. Disponível em

MOREIRA, Ruy. Formação do espaço agrário brasileiro. São Paulo: Brasiliense, 1990.

 

Denis Castilho
Professor Assistente do Instituto de Estudos Sócio-Ambientais da UFG
Doutorando em Geografia pela mesma instituição


¹ CEDEM - Centro de Documentação e Memória da Unesp, disponível pelo endereço eletrônico www.cedem.unesp.br, acessado em agosto de 2010.