A EDUCAÇÃO E SEUS ANTAGONISMOS - Inglas Ferreira Neiva dos Santos
As discussões que permeiam a educação - nesse momento me restrinjo a educação institucionalizada - são cada dia mais complexas. Correntes que defendem posturas mais flexíveis junto às variadas demandas (de estudantes/professores e suas respectivas realidades), pautam-se na premissa de que visões engessadas sobre modelos educacionais não comportam a extrema diversidade de nossa contemporaneidade. Em decorrência disso advogam posturas adequadas a cada realidade e principalmente mais dialógicas, entendendo que por si só a educação enquanto uma hierarquia organizadora pressupõe visão aberta e democrática.
Nos deparamos ainda, com visões que destoam da citada acima, demonstram medidas mais autoritárias, sem muita abertura para adaptações, acreditam que o sistema educacional enquanto corporação responsável, detém liberdade organizacional sem necessidade de discussão com a base; são medidas iniciadas de cima para baixo, as quais, no geral, são criticadas pela falta de análise do contexto em que se insere.
Mas o que não é negável - e nos restringimos ao Brasil e mais precisamente a Goiás - é que a nossa discutida educação tem se visto em um emaranhado de interesses e de formação identitária confusa. São exaltados modelos positivos de outros países nos quais a educação obteve resultados satisfatórios. Somado a isso, políticas e projetos educacionais são lançados quase que anualmente com nomes criativos propondo equacionar grande parte dos problemas. Atrelados a esses projetos estão figuras políticas com acentuado interesse em obter aprovação em eleições e depois de efetivadas, surrupiam possíveis verbas que são destinadas a melhoria educacional. O que vemos é uma corrida interminável por novas pesquisas, novos estudos, soluções milagrosas, etc. Busca-se resolver o problema do ensino no Brasil e em Goiás, no entanto, ignora-se soluções obvias. Por outro lado, ao encontrá-las entra-se num colapso de falas demagogas e profunda ausência de ações.
Ora, é visível a todos que tais dificuldades seriam amenizadas de forma gradativa com ações sérias que demandam responsabilidade, dinheiro efetivamente investido em estrutura que comportem toda a complexidade e demanda da área, profissionais bem remunerados, seguros de sua função, principalmente habituados á contínua demanda em aprender. Aos educadores atrela-se a imensurável arte não só de transmitir os conteúdos inerentes a cada disciplina atendendo a grade curricular, mas sobretudo a de orientar sobre a liberdade, o conhecimento de si mesmo e por consequência dos outros, ou seja, conscientizar sobre a acepção do conceito de cidadania. Fazendo isso, muito provável estaremos contribuindo com a formação das pessoas enquanto seres atuantes.
Como já foi dito, no que tange a responsabilidade dos que legislam e governam, em nosso país falta competência e responsabilidade com os que deveriam fomentar a educação. Servem dela para promoverem-se e tiram proveitos individuais, o privado é colocado em detrimento do público não raras vezes. É fundamental que esta postura execrável seja percebida e banida, a começar pelos envolvidos do processo educacional (professores, estudantes e pais), em geral os envolvidos veem-se como uma massa amorfa sem relação com a problemática.
Em meio a esta atmosfera de convergentes interesses, caminha o professor com seu desencanto visível, quase palpável. Emana dele um desconhecimento da real dimensão de sua capacidade. Por isso, é visto culturalmente como uma figura samaritana, onde o ofício se justifica pelo amor esperando-se dele um dom missionário. Aliás, o magistério infelizmente ainda não é visto por muitos como uma profissão que, como todas, exigem evidentemente dedicação, responsabilidade e claro, afinidade. Mas como uma extensão da casa ou por que não dizer, da família, daí comumente o professor ser chamado de "tio", uma espécie de figura com interminável dedicação e complacência. Essa ideia da profissão enquanto doação nos parece infinitamente contraditória, até porque o custeio dos compromissos financeiros do professor não é perdoado no contexto capitalista. Isto é: quem subsidiará a vida do professor e de seus dependentes? o dom? Não nos parece risível?
Talvez essa extremada liberdade, se é que possa assim definir, coloca a docência como um ofício quase maternal, tirando dela o caráter profissional - pelo menos em nosso país isto é bastante visível. Entretanto, não estamos aqui defendendo a falta do caráter humano da profissão, mas é ilegítimo que continuemos a vê-la como a profissão do desprestígio ou da falta de opção profissional, ou ainda, que seus profissionais sejam comumente vistos como figuras substituíveis pelos "amigos da escola". Afinal, somos apenas "professores."
Vemos então que a problemática da educação em nosso país e, por conseguinte do professor, abarca questões intricadas, que é de âmbito social, pois há um entendimento por parte da sociedade que a educação - aí amplio a definição do termo - é um problema de outrem. Político e econômico por ser uma pasta que contempla avultadas verbas e acima de tudo possibilita compensativos votos. Com essa análise percebemos que a educação e todo seu arcabouço derivam por caminhos tortuosos, sem vislumbrar de fato, ações que contemplem as necessidades reais e nem tão obscuras de um progresso educacional, segundo exposto acima.
Ainda, sobre a profissão do educador, do ponto de vista histórico é perceptível que em um passado recente "o mestre" detinha certo respeito, não salarial, mas social, ao que nos parece com a socialização dos direitos das crianças e adolescentes, houve uma confusão acerca da noção do respeito, dos valores e do espaço do outro. A sala de aula virou uma espécie de campo de disputa de poder. A figura do professor perde o espaço da solene discussão e o debate entre professores e estudantes fica debilitado, visto que essa referida confusão de valores permeia a concepção de direito demasiado do alunado.
Muito provável, de modo involuntário, temos perdido os marcos que entrecruzam-se direitos e deveres, o que possivelmente tem levado picos de liberdade extremada - em alguns casos de desrespeito profundo, e de desmoralização exacerbada no espaço escolar e especificamente na sala de aula. Nessa atmosfera permeada por ambiguidades a educação e, como aderência, o professor, estão longe de trilhar caminhos sem vícios e romper com os grilhões que impedem seu trajeto fluido e limpo. O que temos visto, sem dúvida, é uma apatia mensurável por parte da categoria. Há de fato insatisfação, contudo falta atitude. Entrega-se a uma alienação confortável, subjugando-se a um autoritarismo vernizado de democracia. No que tange o nosso Estado, a ausência de valorização dos envolvidos na educação é dilacerante e paira uma sensação quase que de opressão. É como se os moldes da política atual tenham regredido a um período provinciano; o tão alardeado direito de expressão (manifestações, greves, falas que arranham a limpidez do governo) tem sido tolhido. Tais atitudes são visivelmente legitimadas por um judiciário ininteligível aos nossos olhos, visto que sobre questões de mesma natureza posiciona-se de forma distinta quando trata-se de dilemas relacionadas ao governo. Por conseguinte, tal postura torna-se digna de questionamentos. Em resumo: a legalidade está sempre do lado do Estado, mas isso deve ser questionado.
Notemos, então, que as forças antagônicas à educação adquirem proporções significativas em uma gestão não democrática, emperrando assim a efetiva evolução para o que popularmente chamamos de educação de qualidade. Nesse contexto é fundamental que os envolvidos posicionem-se de forma consciente, envolvendo nas questões e decisões relacionadas ao processo educacional, cobrando dos responsáveis responsabilidade e ação.
Portanto, após esta breve discussão sobre a educação em nosso país e mais precisamente do Estado de Goiás, percebemos ser de fundamental importância que os agentes envolvidos na prática docente desenvolvam posicionamentos críticos, pautados na valorização da categoria. Assim, faz-se necessário que o “pacto pela educação” tenha a anuência de quem lida com a aprendizagem. É inadmissível que políticas educacionais continuem ignorando professores, tanto do ponto de vista do projeto quanto do ponto de vista da valorização salarial e estrutural. No que se refere aos discentes, deseja-se que estes vejam a aprendizagem como meio de emancipação, vislumbrando o caráter valoroso desse processo.
Nessa perspectiva finalizamos com a consciência de que as discussões sobre o processo educacional são infindáveis, principalmente por se tratar de um país onde o fosso entre o ideal e o real é evidente e os anseios dos que vivenciam a prática docente são continuamente crescentes.
Inglas Ferreira Neiva dos Santos
Graduada em História pela PUC/Goiás
Professora da Rede Estadual de Educação de Goiás
E-mail: inglashisto@hotmail.com