A ERA DOS MONÓLOGOS - Swelington Fonseca
Foto: Jacob Sempler
A globalização moderna, como conhecemos, produz diversos paradoxos, entre eles, o que podemos presenciar mais de perto talvez seja o da comunicação. A contradição se instala porque na medida que os meios de comunicação se modernizam, nossa comunicação pessoal segue na direção inversamente proporcional. Aos poucos estamos perdendo a capacidade de comunicação pessoal. Nas palavras do sociólogo Zygmunt Bauman: “Não me admira que a proximidade virtual tenha ganhado a preferência e seja praticada com maior zelo e espontaneidade do que qualquer outra forma de contiguidade. A solidão por trás da porta fechada de um quarto com um telefone celular à mão pode parecer uma condição menos arriscada e mais segura do que compartilhar o terreno doméstico comum.” (2004, p. 75) Estamos abertos ao fluxo de informação e comunicação globalizado, mas fechados em nossos quartos, distantes de quem está próximo. Estamos desaprendendo a ouvir e perdendo o que há de mais poderoso nas relações humanas, a saber, o diálogo.
A tecnologia que deveria nos aproximar, também nos afastou, nos isolou e reduziu drasticamente nossa capacidade de ouvir, refletir e dialogar. Como cantou Humberto Gessinger: “Agora lá fora todo mundo é uma ilha há milhas e milhas distante de qualquer lugar.” (Infinita Highway - 1987). O cantor, de uma forma brilhante, sintetiza uma representação da forma como nos relacionamos em nosso tempo, egoístas, surdos e mudos para um verdadeiro diálogo.
Para entender o tempo presente, é necessário compreender os processos históricos que nos trouxe até aqui. Os anos que sucederam a 3ª Revolução Industrial, iniciada por volta da década de 1970, nos lançaram no que comumente chamamos na Geografia de Era da informação, um produto da revolução técno-cientifica informacional, quando os veículos de comunicação atingiram um novo patamar em nossa sociedade, tornando a informação e a comunicação, exponencialmente, mais fluída, dinâmica, abrangente e veloz, encurtando as distâncias e o tempo. Diante de todas essas possibilidades, havia a esperança de que as pessoas se tornassem mais próximas.
A revolução informacional foi, verdadeiramente, uma drástica mudança de conjuntura global, acelerou os comércios, e interligou as nações em uma densa teia mundial de trocas de mercadorias e informações em uma velocidade impressionante, configurando o que chamamos de mundo globalizado. Tal mudança transformou a forma como consumimos, acelerando o processo de consumo e descarte. Assim, o imediatismo fútil que aprendemos atribuir as novas mercadorias se tornou também o imediatismo de nossas relações pessoais, como assegura Bauman, por meio do seu conceito de “modernidade liquida” (2004, p.7), caracterizando a fluidez das relações do tempo presente, o denominado mundo pós-moderno.
Diferentemente dos outros momentos históricos, quando as inovações ficavam restritas a pequenos grupos, a revolução técno-cientifica informacional se popularizou rapidamente, em poucos anos o acesso a celulares, computadores, TVs e internet se tornou acessível a grande maioria da população global, interligando grandes distâncias, possibilitando acesso a inúmeros dados e informações sem precedentes na história.
Tudo isso nos trouxe a sensação de que é possível acompanhar, em tempo real, qualquer acontecimento significativo nos mais diferentes locais do mundo, sentado confortavelmente em um sofá, dentro de casa. Porém, a maioria das pessoas é incapaz de perceber que grande parte das informações transmitidas, em nível nacional e global, são direcionadas e sujeitas a manipulações, estando a serviço de interesses do capital global, responsável por conduzir e transmitir ideologias e modos de vida a serem seguidos. As verdadeiras informações, e mais, a capacidade de transformar informação em conhecimento ainda permanece restrito a um seleto grupo.
Informação ainda é poder, e poder na mão do povo é uma ameaça às classes dominantes. Por este motivo, os grandes donos dos meios de comunicação entopem o povo com informações fúteis e triviais, impossíveis de causar qualquer mudança de pensamento ou de estrutura de nossa estratificação social. Assim, o horário nobre da TV lhe trará como programação a dança dos famosos, ou as últimas notícias/fofocas das celebridades do momento, os Hits musicais serão breves refrães repetitivos com letras apelativas aos instintos mais primitivos do ser humano.
Os veículos midiáticos oferecem a fama como objetivo de vida a ser conquistado, mas lhe atribuem um ritmo de ascensão e queda frenéticos. Os próprios artistas são produtos de consumo que se esgotam rapidamente, são descartáveis como todo o resto. Os noticiários trazem em sua pauta, informações que se apresentam como neutras e verdadeiras, porém, são carregadas de intencionalidades que direcionam todo o pensamento coletivo. Assim, é dada a informação ao povo, ao mesmo tempo lhes negam a capacidade de reflexão sobre o que recebem, ou sobre suas próprias vidas.
A sensação de pertencimento ao processo informacional global nos dá a ilusão do conhecimento, pois o que nos é oferecido é a informação pronta e acabada, como se fosse verdade absoluta. Por esses fatores, não nos damos ao trabalho e nem temos capacidade para questionar criticamente ou discernir o que é verdade, e o que é ilusão entre as informações. Somos Abarrotados de informação pronta, fragmentada e desconexa, entretanto, nos vangloriamos de sermos os donos da verdade. Esta fragmentação faz com que criemos nichos de afinidades informacionais, excluindo os que estão fora, em outros nichos. Aprendemos a atribuir rótulos antes do diálogo, em um mundo de ilhas de informações diferentes, aquele que não pensa como eu, é um “desinformado”. Os rótulos separam, quase sempre de forma pejorativa, e o conflito se estabelece tanto entre o senso comum, quanto nas áreas acadêmicas, sendo possível observar nos constantes ataques e ofensas entre profissionais de áreas diferentes. Pelo mesmo motivo, se torna difícil aos profissionais da educação construir uma interdisciplinaridade que, realmente, mescle conhecimentos e construa diálogos.
O Geografo Milton Santos (2000), propunha que a popularização das novas tecnologias proporcionaria ao povo a oportunidade de enfrentamento à grande mídia, denunciando o mundo “tal como ele é” (p. 9), uma globalização perversa, e ao mesmo tempo, mostrar como possibilidade uma “globalização do lado de cá” (p. 9), expondo as mazelas locais e a atuação do povo enquanto comunidade, unido em prol de uma coletividade. No entanto, é possível imaginar que se Milton ainda estivesse vivo, certamente se decepcionaria, pois, a posse desses instrumentos sem a posse de uma construção educacional consistente, faz com que a população não consiga transcender a condição de reprodutores do pensamento dominante.
Os instrumentos que poderiam nos municiar de poder e voz apenas nos silenciou e nos dividiu. Estamos imersos em nossos smartphones, perdemos a capacidade ou a paciência de escutar, perdemos nossa sensibilidade e solidariedade com o local em que vivemos, nos acostumamos a uma interação verticalizada de informações vindas de cima para baixo, nos sensibilizamos pelos atentados em Paris e ignoramos as chacinas nas periferias de nossas cidades. Nos encontros pessoais as conversas estão perdendo espaço para os longos períodos de silencio e atenção à tela. Os diálogos sinceros e empolgantes, que sempre foram a semente de todas as revoluções está cada vez mais em falta.
Divididos nos tornamos verdadeiros produtores de monólogos, cada um em sua ilha, milhões de pessoas dizendo todo tipo de coisas em textos pequenos e grandes. A maioria dos textos se encontram sem argumentos ou consistência, pois os autores(as) apenas tiveram acesso aos meios de comunicação, mas não tiveram uma educação libertadora capaz de fazê-los transformar informação em conhecimento. Na mesma medida, outros milhões que não se interessam em ouvir ou ler o que vêm do outro, avançam tediosamente na linha do tempo de suas redes sociais. Nossa capacidade de produção, de pensamento se reduziu basicamente ao compartilhamento de ideias prontas, e notícias falsas.
Neste cenário de monólogos sintetizados e imediatos, os Memes são o reflexo da falta de profundidade de nossa comunicação, a ponto da sociedade, perigosamente, cogitar a possibilidade de um “meme” vir a governar uma nação. Peço desculpas, talvez falei demais, mas estamos precisando falar muito, precisamos verbalizar ideias e transcender nossos rasos monólogos. Se concorda comigo, ou mesmo se discorda, puxe uma cadeira e vamos conversar.
Referências
BAUMAN, Zygmunt.. Amor líquido. Sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização -do pensamento único à consciência universal. São Pauto: Record, 2000.
Fonte da Imagem: https://www.thelocal.se/20160411/how-swedens-fake-smombie-signs-being-used-for-real
Swelington de Lima Fonseca
Graduado em Geografia pela UEG - Câmpus Itapuranga
Membro e Editor do portal Além dos Muros
swelingtonfonseca@hotmail.com
Ficha bibliográfica:
FONSECA, Swelington. A era dos monólogos. In: Territorial - Caderno Eletrônico de Textos, vol. 8, nº. 10, 28 de fevereiro de 2018. [ISSN 22380-5525]