A FAZENDA GOIANA: MATRIZ ESPACIAL DO TERRITÓRIO E DO MUNDO SERTANEJO EM GOIÁS - Júlio César Pereira Borges

10/12/2011 12:00

      

Pensar a fazenda goiana, no âmbito da Geografia, não é simplesmente buscar nas redes da história contos saudosos sobre um tempo que passou, assim como não é valorizar o tempo lento em detrimento da velocidade urbana. Tampouco é cultuar representações empalhadas e envernizadas que empregam uma estética do que foi e no que nada de fato representa a essência.

É possível compreender, então, por fazenda goiana, a organização espacial que particulariza a estrutura socioeconômica de Goiás entre o final do século XVIII e início do XX, num ordenamento estrutural marcado pela auto-sustentabilidade e diversidade produtiva, pelo patriarcalismo, pelo tempo lento, pela troca simples, pelo coronelismo, pelo cristianismo, pelo latifúndio, pela subordinação dos núcleos urbanos ao rural, dentre outros.

A fazenda goiana é o lugar da seriema, do inhambu, do catingueiro, da jaracuçu, da pomba do bando e do sucuri. É, também, lugar da enxada, do monjolo, do carro de boi, do paiol, do pomar, do cutelo, da varanda, das estradinhas, das aguadas, da venda da roça, do pote cheio, da tuia, do compadre, da comadre, da moita, da cachaça, dos trieiros, dos queijos e lingüiças pendurados sobre a trempe, das folias de reis com as suas pousadas e o frango com macarrão, amarelinho de açafrão, do pilãozinho de socar o tempero, das caçarolas de ferro, da caçada, da pesca, do fogão de lenha sempre aceso na tepidez das casas aconchegantes, etc.

É também lugar do coronel, do Pai João, da Sianinha, do amansador de burro, do covarde, do mentiroso, do violeiro, do castrador de cavalo, da mula marchadora, da agricultura diversificada, do capador de porco, do meeiro, do camarada, da pecuária e tantos outros elementos que em funcionando, formaram uma estrutura produtiva que durante dois séculos comandou a organização espacial de Goiás, tempo suficiente para se enraizar e a nosso ver, se tornar base, matriz espacial de um território e de um povo.

Essa condição revela uma complexidade que corrobora as teses de Estevam (2008) que afirma que a pecuária é a essência da civilização caipira e do mundo sertanejo, e Teixeira Neto (2008, p. 03): “por aqui a roça e o boi são mais que símbolos emblemáticos, porque, mais que em outras regiões do Brasil, foi no campo que as coisas funcionaram”.

Concordamos que a agricultura e a pecuária, sem dúvida, era a atividade que ligava Goiás ao sudeste do país. Ela interligava os lugares do sertão brasileiro, por intermédio das andanças das tropas e boiadas e desempenharam um grande peso na identidade goiana. No entanto, havia toda uma estruturação interna e fixa, a qual estas atividades eram inseridas. Estamos afirmando que a roça e a pecuária é parte da estrutura “fazenda goiana” e não o contrario.

No nosso entendimento, a fazenda goiana é um estuário de símbolos e signos de uma identidade sertaneja. A fazenda goiana vem cristalizada em tradições e “usanças” que constituem um universo único, de profundos significados. Consiste em um conjunto de elementos políticos, econômicos e culturais que, a nosso ver, se constitui na matriz espacial do território e do “sujeito-sertanejo” goiano. Portanto, compreendê-la, na proposta dialética, é compreender o próprio território e o universo complexo que envolve tanto a estrutura espacial da fazenda goiana como os sujeitos que nela construíram suas relações de produção.

Referências

ESTEVAM, Luís. No Cerrado das Tropas e Boiadas (ensaio histórico – literário). In GOMES, Horieste (org). Universo do Cerrado, vol 2. Goiânia: Editora da UCG. 2008.
    
TEIXEIRA NETO, Antônio. Pequena história da agropecuária goiana (o ouro acabou? Viva o boi!/o ouro se foi? Chegou o boi!). Goiânia: Observatório Geográfico de Goiás, 2008.

 

Júlio César Pereira Borges
Professor do curso de Geografia da Universidade Estadual de Goiás – UNU Iporá e
doutorando pelo Instituto de Estudos Socioambientais da Universidade Federal de Goiás
.