A Geografia do Jogo de Bola
Num primeiro momento, pode ser que alguns achem estranho o título acima. Não vislumbrando nenhuma relação entre o jogo de bola e a ciência geográfica. Isso figura ainda hoje tanto no senso comum, quanto na própria ciência, em função da tradição da Geografia na lida com alguns temas.
Posto isso, inquietações crepitam como brasas incandescentes em nossa cabeça. Por exemplo: existe uma questão espacial no futebol? O espaço geográfico está presente na ontologia do futebol? É possível uma leitura geográfica do futebol? Imagina-se que tais questões são o ponto de partida para iniciarmos algumas reflexões acerca de uma abordagem geográfica do futebol.
Aos que ainda desconfiam da proposição lançada no título, digo-lhes categoricamente: é possível sim, uma leitura do futebol a partir da ciência geográfica! Até porque, o futebol é um jogo extremamente territorial. E mais... Hoje aprendemos que a identidade das ciências não reside no objeto, mas no modo de olhar o mundo, ou seja, no método. Portanto, estudar o futebol pelo prisma espacial é fazer Geografia!
Penso que o futebol constitui-se em um tema de grande relevância, principalmente em termos de Brasil. Pois estabelece densos vínculos com a sociedade brasileira, permeando o quadro das relações sociais cotidianas de nosso povo. Portanto, possui uma gigantesca importância no que tange à cultura do brasileiro. Além disso, na atualidade, o futebol em escala mundial aparece inserido no rol do esporte-espetáculo. Isso traz repercussões nos aspectos culturais e sociais, propiciando alterações nas formas de organização espaço-territoriais.
O futebol em forma de pelada se coloca como fenômeno social que recorta as paisagens, principalmente dos lugares periféricos. E os peladeiros, na construção do jogo de bola, criam e recriam territórios, alteram paisagens, instituem novos ritmos ao mundo vivido pelos sujeitos praticantes, enfim, dinamizam o espaço geográfico.
Tamanho é o significado do futebol entre os brasileiros que os que não o amam, geralmente o odeiam. Entre os homens é quase unanimidade, no meio feminino ainda não tem grande expressão. No entanto, ao que parece, tem crescido a simpatia das mulheres pelo esporte, o qual vai deixando de ser exclusivamente coisa de macho.
O futebol povoa o imaginário das crianças. A grande maioria dos meninos brasileiros sonhou ou sonha em ser um jogador de futebol, um artista do mundo da bola. Uma parcela diminuta consegue realizar tal sonho. O fato é que para todos, no entorno da bola, gravita a sociabilidade.
Para os moleques da periferia, tímidos, raquíticos, sem muitos brinquedos, enclausurado em casa, a rua é o lugar de brincar, de jogar bola e, por intermédio desta, ver o mundo além dos muros do lar, conhecer pessoas e fazer amigos. Enfim, por meio do futebol angaria-se amigos e liberta-se do espaço restrito da casa.
O futebol dinamiza o espaço das cidades. Numa metrópole em dia de jogo dos grandes clubes, a cidade amanhece colorida, seu ritmo muda, o futebol passa a ser o assunto das rodinhas de bate-papo dias antes e dias depois da partida. No entanto, o futebol não é somente aquele dos grandes espetáculos. Ele se territorializa também como jogo, ou seja, como pelada nos mais diversos espaços. Na periferia das grandes cidades o jogo de bola tem enorme pujança.
As peladas são muito flexíveis, acontecem a qualquer hora e em qualquer lugar, como ruas, calçadas, praças, lotes baldios e outros. Podem ser praticadas por pessoas de qualquer idade. Os materiais podem ser improvisados, não tem número mínimo nem máximo de participantes. E as regras são estabelecidas antes ou até mesmo no meio do jogo.
Nesse sentido, principalmente, na periferia a pelada resiste como um lugar de encontrar os amigos, brincar, sorrir etc. Por fim, fazer Geografia é jogar com as idéias para compreender o mundo, que é uma bola. E, jogar bola é construir e reconstruir territórios a partir da dinâmica do futebol.
Alexsander Batista e Silva - Geógrafo, amante do futebol peladeiro, professor da rede pública estadual e professor substituto da UFG.