A HUMANIDADE DO SOVACO - Eguimar Felício Chaveiro

10/12/2011 12:00

 

Pelo caminho da Demografia Dinâmica, no diálogo íntimo com a Etnodemografia e, de forma direta, pelo contato com a Antropologia Essencial de Leloup, tenho sublinhado ideias sobre a SIGNIFICAÇÃO DO CORPO, de SEUS MEMBROS E ÓRGÃOS na inscrição de uma rica possibilidade de contato – e de comunicação com o ambiente e com as esferas cósmicas e micrológicas da vida.

As ideias que lanço na arena das aulas acabam se sintetizando: o devir do corpo é edificado num cruzamento entre genética, cultura, classe social e símbolos de muitas estirpes e gêneros. E se ele existe num devir, o que Santos diz é verdadeiro: o corpo assume hoje, no mundo da vertigem da velocidade e da intensa fluidez, o lugar de maior sensibilidade, o sentido de extrema concretude. Ele é a casa da vida inteira, usina de invenção e de sensações.

Exatamente por isso é que se pode dizer que há cicatrizes na memória, assim como denúncia na pele, segredo nas mãos - e grito nos olhos. E podemos nos assegurar em Barthes: o mistério do corpo é revelado em sutis  mensagens que ele não cessa de emitir.

Certa vez ouvi de um amigo uma história interessante que testemunha o que enunciei. O meu amigo estava numa sala de SILÊNCIO ACOSSADO fazendo uma prova de concurso público que, caso fosse aprovado, mudaria todo o seu destino de vida. O clima de autopressão, de competição, o silêncio fúnebre do local e, inclusive, a postura cerebral e gélida dos fiscais, lhe colocavam os nervos acima do seu controle. O seu corpo pulava para fora de si; e sua consciência não tinha as cordas para pegar as flores de sua potência humana. Estava sob fraturas.

Por um instante ele havia esquecido de sua simplicidade, de seu contentamento pelos amigos, pela sua rica afetividade com a família, esquecia também que amava jogar bola, pescar, olhar borboletas no varal...até que um sovaco lhe acalmou...

Ao observar o jorro de suor do sovaco de um fiscal, a lembrança de sua condição humana palpitou-se consistente. Uma serenidade passou a rondar a sua estima e recuperou a sua humanidade. O sovaco molhado palpitava ali que havia uma igualdade entre todos; que a vida não pode ser ignorada, especialmente que o fétido, o mortal, o orgástico, ou o sublime, o belo, o justo transitavam - e atravessavam - toda a sua temporalidade e os eventos que, por ventura, iriam fazer parte.

Salvo pela mensagem humana do sovaco alheio, ao meu amigo coube a compreensão que deveria se abrir para aprender a cuidar do seu próprio.

 

Eguimar Felício Chaveiro
Professor Associado do IESA/UFG
Membro da Academia Trindadense de Letras