A INTELECTUALIDADE QUE TEM NOJO DA ESCOLA - Glauco Roberto Gonçalves

28/11/2019 01:25

 

Parte considerável dos e das docentes que trabalham nos cursos de licenciatura tem repúdio à escola. Como formarão professoras e professores para dar aula nas escolas se evidenciam seu profundo nojo à elas?

Ter repulsa da escola é, de algum modo, nutrir repulsa pela infância. Sei que muitos não vão em uma escola há décadas, mas nelas existem crianças!

Doutores e doutoras das universidades, inclusive a que eu trabalho, parecem achar que seus pensamentos e estudos são tão sofisticados que não cabem na escola.
Encastelados em seus microuniversos alheios (alienados) ao real, nem se esforçam para fingir gostar da escola. Falam dela, sempre de longe, só quando querem algum título, ou mais uma publicação que aborda algo que desprezam.

Formam professoras e professores para dar aula em escolas e passam anos evidenciando para eles o quão medíocre serão suas vidas no magistério. Os e as docentes das universidades parecem só saber lidar com corpos já amansados o suficiente para serem capazes de fingir estar ouvindo suas falas, via de regras retóricas e vazias, sobretudo quando tratam a escola, ambiente que sentem nojo.

Tais docentes de nível superior estão dispostos a entregar a própria vida, matando de tédio e de depressão aqueles que eles formam, para ratificar que o nível deles é superior, e que seus alunos de graduação atuarão em níveis inferiores.

Não suportam a escola porque nela nem sempre os títulos de doutorado que possuem têm o significado que eles querem impor. As crianças, por sorte, ainda não estão prontas para se ajoelhar diante da mera mediocridade de um título.

O(a) portador(a) de doutorado, encapado com sua pomba de intelectual médio que vive encastelado entre sua sala, seu grupo de estudos e seu laboratório, sente-se à vontade para inventar um lugar onde só sua convicção confortável existe.

O barulho da escola, a insubordinação juvenil, a rebeldia irreverente da infância fere sua empáfia, despreza seus óculos e seu sapato lustrado. O pinto desenhado na parede da sala do sexto ano é uma voadora na cara da sua fala mórbida sobre o capital cultural de Bordieu.

Os professores e professoras das universidades que formam professores e professoras para atuar nas escolas tem ojeriza da escola. Mas convém lembrar que as crianças, a razão de ser da escola, também tem ojeriza da pose patética desse intelectual médio.

Esse(essa) intelectual acha que todos devem se curvar diante do conhecimento que ele vomita, mas as crianças são insubmissas o suficiente para tal morte em câmera lenta.

Esse(essa) intelectual médio-medíocre que só sabe falar, não foi feito para escutar, e as crianças querem falar, gritar, pular. Elas ainda não foram torturadas o suficiente para entender que para pensar e falar precisa de títulos...e de roupa bonita.

O nojo médio do/da intelectual médio-medíocre da escola é porque quem está nela é seu avesso: é a vida pulsante, barulhenta, desorganizada e por vezes suja, que tem pinto e palavrões nas paredes. Enquanto isso o/a intelectual médio-medíocre faz pose de francês.

Quem é estudiosa/oso, pensadora/pensador e intelectual e vive nesse Brasil tomado pela cólera e pelo ódio, ódio esse deliberadamente explícito contra a educação, deveria se dar o trabalho de compreender seu papel (que papelão) na formação desta sociedade que nutre desprezo pela escola. Em que ponto o leitor difere dos outros grupos que não querem saber da escola?

 

Glauco Roberto Gonçalves

Doutor em Geografia Humana pela USP.

Professor do Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada a Educação (CEPAE) da UFG.

Email: glaucogoncalves1@gmail.com

 

*Fonte da imagem: https://hypescience.com

 

Ficha bibliográfica:

GONÇALVES, Glauco Roberto. A INTELECTUALIDADE QUE TEM NOJO DA ESCOLAIn: Territorial - Caderno Eletrônico de Textos, Vol.9, n.11, 28 de novembro de 2019. [ISSN 22380-5525].