A IRREMEDIÁVEL SEMENTE - Eguimar Felício Chaveiro
Com tranqüilidade, e sob a esquiva de qualquer funcionalidade, li um ensaio sobre o “olhar louco” assinado por Fábio Landa, médico, psicanalista e ensaísta. A leitura que procedi foi conduzida pela metodologia que me habilita a dizer que LER É CRIAR. E criar não dispensa o existente, eleva-o ao plano singular.
Com vagareza palmilhei as frases, os períodos, as informações e os argumentos do autor, anotando, ao lado, numa folha em branco, os princípios de sua concepção - e as perguntas que mobilizaram a sua elaboração. Como se fossem esteios de cimento, esses princípios, uma vez postos ao meu olhar, serviriam (e servirão) posteriormente para que, da minha lida e do meu suor, o que li do autor ganhe a aura do meu cheiro, da minha trajetória - e do meu sabor.
Ao afirmar que “não vivemos, mas somos vividos” e que temos menos capacidade de mudar as coisas do que pensamos, o autor insinua que sobram-nos a possibilidade de representar o mundo, a nós mesmos e os próprios instrumentos que nos permitem encadear o olhar-sobre-as-coisas. Mas só podemos ver sobre o ângulo do nosso invisível, que, quase sempre, é marcado por sofrimentos, por cenas traumáticas, por forças não reconhecidas. Daí a pergunta: como o mundo me aparece a partir do que sou?
Mas a pergunta mais incisiva não é essa: o que eu não quero ver em mim? O que escondo de mim e que mascara a visão?
Alvejar o nosso espetáculo, o nosso interior, a nossa dor é, pois, tarefa complexa. Resume o autor: ver depende de várias superações, inclusive a do narcisismo que condiciona todas as coisas na imagem de um espelho que apenas mostra o nosso rosto sob múltiplas faces. Confrontados a um risco de nunca ver criativamente ou de ver apenas o reflexo daquilo que já sabemos, a inscrição da vida depende da força do olhar de criação, não para salvar do risco mas para encorajar-se a enfrentá-lo com o sabor explícito da nossa imperfeição.
E esta imperfeição, ao atestar que não estamos pronto, mortos, nem completamente satisfeitos, irrompe-se como a verdadeira força, a notável razão e o motivo esplendoroso para debelar com o que, em nós, está codificado, petrificado, envelhecido. Assim, cabe-nos procurar a transformação como a irremediável semente para nos lançar, vivamente, no mundo.
Eguimar Felício Chaveiro
Professor Associado do IESA/UFG
Membro da Academia Trindadense de Letras