A METÁFORA DOS OCEANOS NOS ENSINA ALGO? - Pedro Renan Santos de Oliveira

03/04/2018 01:22

 

Quando sequer o que chamamos hoje de “ocidente” pensava em oceanos, os rios Tigre, Eufrates e Nilo situavam a história das primeiras guerras e domínios de intentos imperiais entre o vermelho e o morto dos mares. Civilizações erguidas, culturas construídas, povos banidos, escravidões tantas vezes transformadas em seu modo de funcionamento. Antes de sermos mundo, éramos terra: do barro que cria, do arada capaz de agricultura, da irrigada como sinal de próspera, das prometidas ou disputadas terras.

Quando só os grandes rios não bastavam, o mar entre terras, ou o Mediterrâneo, passa a ser o símbolo das águas do poder. A expansão tem destino, a maior das invenções ocidentais, o oriente, passa a ser o caminho: o Índico representa o domínio não só do “bárbaro”, senão do mundo que deixa de ser um “plano” de disputas do “ubis pedis ibi pátria” (no latim do império romano: “onde estão os pés, aí está a pátria”) para o “Navigare necesse, vivere non est necesse”, como diria o general romano Pompeu, ou “navegar é preciso, viver não é preciso” – imortalizado por Fernando Pessoa. A terra vira mundo.

Os declínios das eras imperiais nos ensinaram a fazer outros impérios. Em nome de Deus, a Média das Idades produziu trevas e oceanos. As grandes navegações não pararam nas índias, mas naquilo que nos faria, como no mito do Atlas, estar fadado para todo o sempre a sustentar o céu, talvez de vidro, que nós mesmos criamos. O Atlântico revela as outras civilizações que ainda teimam em ser tão pouco contadas na história oficial dos livros de se vender. O Atlântico até mesmo faz o mais forte dos impérios mudar de seu Leste, o velho mundo, para o Oeste, o novo velho mundo. Mas sempre no Norte, continua a repetir um mundo-água que empobrece o Sul, que marginaliza o Sul, que torna a preta a mais barata das carnes, que produz a riqueza e energia para o Norte queimar e derreter os polos.

Os últimos séculos se apresentam com as mais novas e engenhosas polarizações do doravante, entre oceanos, planeta terra. Fascistas se dizem nacionalistas para aniquilar povos. Capitalistas se dizem inimigos dos comunistas porque estes seriam pobres assassinos de pobres, quando os comunistas se autoproclamariam os verdadeiros inimigos dos ricos assassinos de pobres. Em comum, portanto, o pobre destino da corrida tecnológica que, numa cortina de fumaça, industrializa o globo, aquece o planeta, queima a terra, polui o mundo. Árticos e antárticos se derretem. Nos fogos cruzados do mundo-entre-água os oceanos remotos, das terras remotas, mantêm-se frios, mas não tão frios. Aquecem o mundo de mais milhares de anos contínuos de disputa em guerras.

Agora é tempo de redes. Era técnico-científico-informacional. São pacíficas as redes? Se o mundo já era planeta, agora aldeia. Aldeia global. Terra-mundo-planeta-globo agora juntos para tornarmos todos um só. Humanos. Será? Por séculos acreditamos que por sermos seres de cognoscibilidade e capaz de alguma razão, só nós, humanos, poderíamos ensinar e aprender. Perdemos uma chance do tamanho do mundo-globo de aprender com o planeta.

A metáfora é uma capacidade eminentemente humana, mas sequer conseguimos captar a metáfora oceânica que esteve sempre no nosso cais, no nosso quintal, na nossa morada. Antártico, Ártico, Índico, Atlântico, Pacífico parece não terem ainda mostrado seu poder ubíquo que diz respeito ao fato de somente por meio das suas águas a vida humana poder existir.

E dizem que até um continente e um só oceano fomos nós, esse ponto azul da Via Láctea, um dia. Agora não me parece que seguimos ao pacífico dos caminhos, tampouco ao encontro das águas. Colonizamos, além dos povos, culturas, pensamentos, afetos, também a água e vendemos ao preço das nossas vidas. Não satisfeitos, miramos ao universo e buscamos outro planeta para habitar, quando sequer desse planeta-oceano aqui soubemos manter a potência do azul.

 

Pedro Renan Santos de Oliveira.

Psicólogo. Doutorado em Psicologia. Pesquisador do Paralaxe – Grupo Interdisciplinar de Estudos, Pesquisas e 

Intervenções em Psicologia Social Crítica da Universidade Federal do Ceará (UFC).

 

Ficha bibliográfica:

OLIVEIRA, Pedro Renan Santos de. In: Territorial - Caderno Eletrônico de Textos, vol. 8, nº. 10, 3 de abril de 2018. [ISSN 22380-5525]