A METAMORFOSE DO TEMPO - Henrique Martins da Silva

05/02/2014 12:00

Tempo, esse invisível, pai de tudo.

Eguimar Chaveiro

 

O Tempo é deterioração, é o impedimento ao agir humano, é desconstrução, é morte... Mas também é construção, continuação e vida. O Tempo é movimento, é ação! Não é possível medir o Tempo, muito menos fragmentá-lo. É uma variante do pensamento, da natureza, do ser, do homem, da História. O Tempo, esse fenômeno invisível, complexo e imperador de tudo que é vivo, é objeto intrigante de fascínio e investigação desde a filosofia antiga até a contemporâneidade. Ocupou  papel de destaque na reflexão de grandes pensadores, desde o filósofo Parmênides até o físico Einstein, sem contar os historiadores que tentaram desvendar o mistério do tempo, como Fernand Braudel,  Hartog ,  Reinhart Koselleck, entre outros.  Também  existiram outros intelectuais  que estudaram  a querela do Tempo como, por exemplo, o sociólogo alemão Norbert Elias. Sabemos que hoje temos várias concepções derivadas de uma ideia geral do tempo, como o Tempo Histórico, Tempo Geográfico, Tempo Físico, Tempo Natural, Tempo Humano, Tempo Biológico e etc. Isto é, uma multiplicidade temporal. Entretanto, ainda nos embaraçamos, quando surge a seguinte pergunta: O que é o Tempo?

Parece ser simples o questionamento, mas tudo o que foi dito acima não define o que é, de fato, o tempo. A pergunta é curta e direta, mas detém muita profundidade. Apenas nos aproxima do que pode vir a ser o tempo. Tudo o que se pode dizer sobre o Tempo, é resultado de um longo e complexo esforço cognitivo de muitos pensadores ao longo de séculos. Além da multiplicidade, existe também  uma simultaneidade temporal. Isso significa, que há várias camadas de tempo, sobrepostas e justapostas umas às outras. Nesse sentido, temos o tempo em uma perspectiva social, cultural, pois no caso da História, não há somente um tempo, mas múltiplos tempos. O historiador alemão Reinhart Koselleck, defende a ideia de que cada civilização, cidade ou local possui extratos temporais.

Com efeito, o tempo histórico está tanto no coletivo, quanto no individual dos sujeitos. Para isso, Koselleck elaborou uma metodologia de determinação do Tempo histórico baseada em duas categorias históricas: Espaço de experiência e Horizonte de expectativa.  É na tensão entre essas duas categorias meta-históricas que o tempo histórico emerge. Ou seja, o Tempo aqui não é tomado como algo natural e evidente, mas como construção cultural que em cada época determina uma maneira específica de relacionamento entre passado e futuro. Esse historiador ainda salienta que:

Manifestamente, as categorias “experiência” e “expectativa” pretendem um grau de generalidade mais elevado, dificilmente superável, mas seu uso é absolutamente necessário. Como categorias históricas, elas equivalem  às de espaço e tempo. Isso pode ser fundamentado semanticamente. Plenos de realidade, os conceitos mencionados se apresentam como categorias alternativas, portanto como conceitos que se excluem, constituindo campos semânticos mais concretos, cada vez mais estreitamente delimitados, mesmo que permaneçam estreitamente relacionados entre si (KOSELLECK, 1979, p.307).

Mas retomando a discussão sobre o conceito mais geral de tempo, percebemos que ainda há uma grande lacuna a ser preenchida. Continuamos a questionar o que é o Tempo? O que há por detrás desse enigma, qual a sua relação com nossa existência? O Tempo supera a experiência humana? Sabemos que a tríade entre passado, presente e futuro não existe em si. O passado já não é, o futuro ainda não é, e, o presente é indefinido. Dessa forma, as percepções entre passado, presente e futuro constituem uma única unidade temporal, indivisível, contínua e infinita. Com  isso, se o tempo não é movimento, é algo muito próximo de movimento. Os relógios, até os mais modernos e precisos, como o atômico, não medem o tempo, pois essa medição apenas compara um ciclo ao outro. Acompanhando esse mesmo raciocínio, é uma grande pretensão achar que o aniversário representa, cronologicamente, o dia em que nascemos ou que o calendário ou qualquer outro mecanismo de marcação pode realmente medir, aferir o Tempo.

O Filósofo Heidegger[1] escreveu sobre o “Ser e o Tempo”, trata-se de uma interpretação fenomenológica do tempo, sendo o tempo o sentido do ser. Para Robson Ramos, o tempo na obra de Heidegger é um plano conceitual que permite interpretar as estruturas formais constituintes do ser. Com efeito, o problema fenomenológico esboçado por Heidegger está ligado à ideia de que o sentido do ser é o tempo. Dessa forma, temos um outro plano de pensamento acerca do tempo, que por sua vez, envolve sentido.

Com base na filosofia heideggeriana e na Teoria da História de Koselleck, além de outros pensadores, podemos pensar em sentido, experiência e expectativa. Há uma constante construção de sentido na vida dos seres humanos. A filosofia escatológica procurou justificar o sofrimento humano, oferecendo uma salvação final através da redenção. Isso configura-se como construção de sentido, ou seja, a vida por si própria não tem sentido, pois somos nós quem damos sentido a ela. Nesse mesmo raciocínio, podemos aferir que experiência e expectativa são um meio, pelo qual, as configurações de sentido se debruçam.

Segundo koselleck, há uma temporalização da história em um processo de aparente aceleração que caracteriza a nossa modernidade. No entanto, é necessário entender que experiência é o passado atual, pois os acontecimentos foram incorporados e podem ser lembrados. Já expectativa se realiza no hoje, é futuro presente, direciona-se para o não experimentado. Além disso, a estrutura temporal da expectativa não pode ser adquerida sem a experiência. Com efeito, essa aceleração que caracteriza nossa modernidade está intimamente relacionada a essas categorias históricas.

A partir disso, podemos afirmar, que o tempo transcende a experiência humana, pois o desejo de aceleração, o desejo de transformação, de ter ou ser aquilo ainda em seu tempo, sugere um atropelamento da própria experiência adquirida. Sem contar que a ideia de posteridade, de efetivar uma grande ação em direção ao futuro, desconhecido, que não pode ser ainda experenciado, indica uma força temporal maior do que a experimentação, do que a curta e frágil vida do sujeito.

Mas retomemos a nossa velha e intrigante pergunta: Afinal, o que é o tempo? Mesmo depois dessa curta explanação e caracterização do tempo, ainda imagino que não é possível definir com exatidão o que é o tempo, pois teríamos que pensá-lo em várias esferas, isto é, no campo da matéria, no campo do pensamento, no campo do universo e etc. Depende bastante do referencial ou melhor das relações. Uma coisa sabemos: O tempo em sua multiplicidade, simultaneidade e transitoriedade, possui uma capacidade relacional.

Portanto, a pergunta sobre o que é o tempo, por mais que pareça simples e objetiva, ainda é um grande desafio para as mentes mais brilhantes do mundo. Alguns interpretarão o tempo de certa forma, outros de forma completamente diferente. Mas, provavelmente, sempre haverá um ponto de relação ou de comparação. Talvez, o problema não esteja, necessariamente, no fenômeno, mas sim na própria pergunta e nas circunstâncias que é feita. No entanto, metaforicamente, sabemos que existe uma metamorfose do tempo regendo cada molécula de nosso corpo até a morte, que não é o fim do tempo, mas o fim de nós mesmos neste teatro da vida. Qualquer tipo de especulação depois desse “Fim”, deixemos para as filosofias e teologias explicarem. Talvez, tenhamos que corrigir a frase: O tempo passa... Para: O tempo não passa, nós é que passamos diante dele!   

 

Referências

BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense. 1993.

ELIAS, Norbert. Sobre o Tempo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 1998.

GARCÍA, Guadalupe Valencia. Entre cronos y Kairós. Ciudad Universitaria/México: Anthropos, 2007.

HEIDEGGER, Martin. Sein und Zeit. Tübingen: Max Niemeyer Verlag, 1986.

KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado: Contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: PUC Rio, 1979.

KOSELLECK, Reinhart. Crítica e Crise. Rio de Janeiro: PUC Rio, 1999.

KOSELLECK, Reinhart. Los estratos del tiempo: Estudios sobre historia. Barcelona: Paidós/ICE/UAB, 2001.

KOSELLECK, Reinhart. The Practice of Conceptual History. Standford: Standford Univ. Press, 2002.

REIS, José Carlos. Tempo, História e Evasão. Campinas: Papirus, 1994.

REIS, Róbson Ramos. Heidegger: Origem e Finitude do Tempo. Santa Maria: UFSM, 2004.

RICOEUR, Paul. Tempo e narrativa. Tomos I, II e III. Campinas: Papirus, 1994.

RÜSEN, Jörn. História Viva; Teoria da História III: Formas e funções do conhecimento histórico. Brasília: UNB, 2010.

RÜSEN, Jörn. Razão Histórica; Teoria da História I: Os fundamentos da ciência histórica. Brasília: UNB, 2010.

RÜSEN, Jörn. Reconstrução do Passado; Teoria da História II: Os princípios da pesquisa histórica. Brasília: UNB, 2007.

RÜSEN, Jörn. Time. Essen/Germany: Essen, 2006.

RÜSEN, Jörn. Zeit und Sinn: Strategien historischen Denkens. Frankfurt am Main/Germany: Humanities, 2012.

 

 

Henrique Martins da Silva

Mestrando em História pela
Universidade Federal de Goiás-UFG
E-mail: henriquemartins.silva@yahoo.com.br



[1] A filosofia heideggeriana tem uma grande contribuição a cerca do tempo, entretanto não será aprofundada neste trabalho.

 

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Ficha bibliográfica:
 
SILVA, Henrique Martins da. A metamorfose do tempo. In: Territorial - Caderno Eletrônico de Textos, Vol.4, n.6, 05 de fevereiro de 2014. [ISSN 22380-5525].