A QUEDA DA URSS E O MERCADO GLOBAL DO SEXO - Robson de Sousa Moraes

01/07/2012 12:00

 

O processo que culminou com a desintegração da URSS e o desaparecimento do chamado “Socialismo Real”, foi amplamente festejado e indicado como uma expansão das forças democráticas no planeta. A entrada das economias planificadas na dinâmica da economia de mercado, seria o passaporte para o pleno desenvolvimento e a definitiva superação de problemas sociais persistentes. No entanto, a expectativa não se concretizou.

Atraído pelas experiências realizadas na Inglaterra de Margaret Thatcher e estimulado por conselheiros ocidentais, tais como Jeffrey Sachs , o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, Mikhail Gorbachev implementou entre os anos de 1987 e 1988, uma ampla abertura da economia soviética, denominada de Perestroika. Um dos pilares desta iniciativa era a realização de um vasto programa de privatização da economia. Até este período a União Soviética não tinha uma economia sustentada pelas forças do mercado, pois o Estado era proprietário de todos os meios de produção e o único empregador. Os preços eram determinados fora da relação clássica de oferta e demanda.

Na política Monetária, conviviam oficialmente duas moedas, o Rublo que circulava somente dentro da URSS e o Beznalichnye, uma unidade puramente contábil, existente em quase todo o Bloco Socialista. O dinheiro não desempenhava um papel central, na medida em que o estado realizava a tarefa de comprador e vendedor. Uma importante característica da economia soviética é a existência de um tolerado “mercado negro”, onde o Rublo era o equivalente de troca do preenchimento das carências do mercado oficial. O Banco central não realizava a conversão de Beznalichnye, restrição que não era imposta ao Rublo.

Com as primeiras privatizações, abriu-se uma enorme demanda por Rublos que não poderia ser efetivados com um pequeno e inexpressivo “mercado negro” . A necessidade de autofinanciamento e de liquidez levou Gorbachev a autorizar o Komsomol (A Liga da Juventude Comunista), a converter Beznalichnye em Rublos, sem a necessidade de supervisão estatal. O Komomsol, iniciou um encorpado processo de financiamento de várias atividades, que vão de atividades científicas a concerto de música pop e concursos de beleza, todas pagas em moedas que depois poderiam ser convertidas em rublos e seqüencialmente em moedas estrangeiras. Estava criado o caminho para o autofinanciamento privado, pela relação existente entre o Juventude Comunista e as empresas recém privatizadas. Este fenômeno deu início a uma sanha privatista e de domínio particular sobre o bem público que resultou na derrocada da primeira experiência Socialista do Planeta.

Com o final da Guerra Fria e a eliminação da Cortina de Ferro, o que sobrou da ordem estatal dos países do “Socialismo Real”, perdeu completamente a capacidade de normatizar e guiar a economia, esta consequentemente, deixou de servir a maioria da população e se transformou em uma força bárbara, selvagem, que sobrevive e se reproduz a partir das condições subumanas de existência.

A promessa feita por Boris Yeltsin, na qual a Rússia estava prestes a se transformar em uma sociedade de acionistas também não se materializou. Segundo o ultraliberal Yeltsin, a riqueza da Rússia Soviética seria dividida em três partes: uma controlada pelo que sobrou do aparato estatal, que manteria o controle acionário das empresas privatizadas; a outra ofertada para o mercado financeiro internacional ávido em conquistar novas formas de especulação e alavancagem da lucratividade; uma terceira parte seria distribuída ao conjunto da população. Em 1992 sob o comando de Boris Yeltsin, o estado distribuiu um vale no valor de 10 mil Rublos (perto de 60 Dólares), que poderiam ser convertido em participação acionária nas antigas empresas estatais. Com nenhuma vivência de mercado a grande maioria da população não tinha a menor idéia sobre o que fazer com estes títulos.

Com a crise de 1992/94, a pobreza cresceu assustadoramente. Uns terços dos russos já viviam abaixo da linha de pobreza, os vales de Yeltsin foram trocados por alimentos, combustíveis e produtos de primeira necessidade.  No final da década de 1990, somente 8% da população tinham ações de empresas. A sociedade de acionistas não passou de uma bem bolada jogada privatista. Em 1995 o Produto Interno Bruto (PIB), havia regredido 50%.  Com a falência generalizada, ficou evidente que o Capitalismo empobreceu a população russa. Temendo perder as eleições de 1996 o velho Yeltsin, administrando uma máquina estatal em desarranjo, com salários e pensões já em muito atraso, promove um leilão do controle acionário da maioria das empresas, com o objetivo de saldar as dívidas do estado com o funcionalismo. Estava completada a empreitada privatista.

A decomposição da sociedade soviética, fez surgir uma nova realidade, completamente diferente, ética e economicamente referenciada pelo “American Way Life”. Como em toda sociedade em crise, as mulheres e as crianças são as mais severamente penalizadas. Em meados da década de 1990, o desemprego atingia 80% das mulheres. Esta taxa era zero no período do “Socialismo Real”. Em 1998 mais da metade das crianças russas estavam vivendo em condições que estavam abaixo da linha de pobreza. Na antiga URSS a força de trabalho feminina representava 83% dos trabalhadores têxtil, localizadas em algumas regiões especializadas. Estes lugares eram denominados de “Região de Mulheres” . Com o desmanche promovido pela inserção das dinâmicas Capitalistas, entre os anos de 1990 a 1994, houve um rebaixamento de 67% da atividade fabril. Uma das drásticas consequências desta situação, foi a ampliação desenfreada da prostituição.

No regime soviético, a prática da prostituição era incomum, pois, o comportamento sexual era extremamente liberal, os métodos contraceptivos eram de fácil acesso e o aborto não criminalizado. A prostituição tinha uma pequena demanda para atender estrangeiros. As poucas profissionais do sexo administravam sua renda e a exploração sexual de mulheres era considerado um crime grave. As mulheres correspondiam ao sustento de 80% das famílias monoparentais. Diante da nova realidade, a prostituição floresceu em todo o antigo Bloco Soviético.

Ao longo da fronteira da República Tcheca e a Alemanha, está a rodovia E – 55, mais conhecida atualmente como a rodovia do amor. É a maior concentração de prostitutas da Europa. Meia hora por 35 Euros, sem preservativo o preço se eleva pra 45 Euros. As rotas que levavam aos países do ocidente, antes ocupada pela imaginária “Cortina de Ferro”, é agora materialmente tomadas pelo mercado sexual, bordéis e quiosques acortinados. O muro do sexo mercadoria é sem dúvida um subproduto da Globalização.  Na Rússia a antiga “região das mulheres” hoje é mais conhecida como “região das vagabundas”, pois o desemprego, a pobreza e desespero o transformaram de uma área de fábrica, em um gigantesco mercado de sexo.

Outro lamentável componente deste tenebroso cenário, é o tráfico internacional de mulheres.  Israel é o maior importador de prostitutas eslavas. Em uma Comissão Parlamentar de Inquérito, feito pelo estado de Israel, foi revelado que cerca de 3 a 5 mil mulheres, provenientes do antigo bloco soviético, são contrabandeadas e entram clandestinamente para este país. Estima-se que há cerca de 10 mil espalhadas entre 300 e 400 casas de prostituição.  Elas podem ser simplesmente compradas por um preço que varia de 8 a 10 mil Dólares, chegam a trabalhar 18 horas diárias, sete dias por semana. A Comissão Parlamentar apurou que entre 1990/94, este mercado faturou US$ 4 bilhões, investidos em Bancos Israelenses, sendo outros US$ 600 milhões, lavados na compra de imóveis. 

Acompanhando o aprofundamento da internacionalização da economia, o tráfico de mulheres e a prostituição se expandiram, ficou mais sofisticado e internacionalizado. Na Alemanha, muitas mulheres veem da Polônia e da Rússia, todas falam alemão. A clientela não quer mais o simples sexo pelo sexo. A frustração do cotidiano, a ausência de afeto, leva uma nova exigência a este nicho de mercado: a necessidade de mulheres sofisticadas, capaz de organizar uma noite agradável em um barzinho, de assistir a um show, ir ao teatro e de proporcionar boas conversas. No início da década de 1990, a crise nos regimes socialistas ao leste da Europa, gerou um enorme quantitativo de mulheres eslavas com educação superior para suprir esta demanda.

Da mesma forma que o Sonho Americano, o sexo mercadoria é também recheados de falsas ilusões, vendendo seus produtos acoplados a estilos de vida existencialmente vazios, mas com capacidade de ter e consumir. Apesar de este ramo ter movimentado globalmente US$52 bilhões. A cafetinagem internacional vem alterando o senso ético da classe média e apresentando a ideia na qual o sexo pode ser comprado e vendido, sem nenhum tipo de reservas ou restrições. Hoje no PornoTube é possível ter acesso a vídeos de sexo entre adolescentes, filmados por outros adolescentes e postos a venda no mundo virtual. Na contramão do florescimento e da máxima lucratividade da nova indústria do sexo, está a satisfação das mulheres exploradas. Expostas a situações degradantes e humilhantes, sujeitas a espancamentos e a todo tipo de violência, chegando em alguns casos ao simples extermínio de uma mercadoria que não consegue mais realizar satisfação a um dado cliente. Os únicos vencedores deste mercado são os negociantes e traficantes, pois como donos dos corpos alheios, explora e suga este até suas últimas potencialidades. O sigilo bancário realizado por algumas Instituições e defendido como questão de princípio por alguns estados nacionais permite a legalização deste crime, que se reproduz e cresce na esteira da falta de esperança gerada pela ampliação da miséria. Esta situação não apareceu nas comemorações da queda do muro, nem nos discursos contemporâneo dos apologistas da globalização[1]

 

Referência bibliográfica

NAPOLEONI, Loretta. Economia Bandida: a nova realidade do capitalismo. Rio de Janeiro: Difel, 2010

 

Nota


[1] Texto fundamentado em Napoleoni (2010).

 

Robson de Sousa Moraes
Professor da Universidade Estadual de Goiás - UnU Cidade de Goiás
Movimento Universidade Popular - MUP
robsondesousamoraes@hotmail.com

 

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Ficha bibliográfica:

MORAES, Robson de Souza. A queda da URSS e o mercado global do sexo. In: Territorial - Caderno Eletrônico de Textos,Vol. 2, n 3, 01 de julho de 2012. [ISSN 22380-5525].