ADMIRÁVEL GADO VELHO - Wellington Ribeiro da Silva

10/05/2012 12:00

 

Em adiantado estado de putrefação,

meu corpo se vale da rima do relógio

pra poder se esgueirar de seu túmulo

No espelho meus olhos vacilam

minha pele gasta e vampiresca

tatuada por erosões disformes

informam que um tempo guloso

de  mim não se apiedou.

Penteio meus cabelos, como ontem, como amanhã(?)

levo algo insípido ao meu bucho domado pela rotina

escovo minha parca e teatral dentição

e me preparo pra sair

(...)

sobre a mesa a pasta

a mesma pasta-parasita

grávida do pasto de papéis, provas, diários

estéril em informes, prazos, ofícios,

apresso meu passo

Me dou conta de que sou educador

que pra onde meu corpo pende

miríades de meninos e meninas me esperam

se encapelam num misto de amor e ódio pelo mestre afluente

que no quadrante onde trabalho

colegas de ofício e pasto

apartados pela norma

são tangidos dia e noite

pela máxima: “conheça o teu lugar”!

Inda ontem me chamaram de “desqualificado”

por ter saído do pasto e mugido em lugar e hora impróprios

meus parceiros de curral e estábulo também mugiram

e só mugimos não porque só o mugido nos restava

ou por morremos de amor por ele

mas pra poder ouvir o nosso próprio mugido

e acreditar que outros também mugem

pra que

por fim

nos encabulemos, nos incomodemos e apercebamo-nos de nossa miséria inumana

estou feliz por mugir!

Mas, afinal quanto estrago pode trazer o fim do sono de um boi

de um boi que se faz mestre?

 

Wellington Ribeiro da Silva

wellribas@hotmail.com