ADMIRÁVEL GADO VELHO - Wellington Ribeiro da Silva
Em adiantado estado de putrefação,
meu corpo se vale da rima do relógio
pra poder se esgueirar de seu túmulo
No espelho meus olhos vacilam
minha pele gasta e vampiresca
tatuada por erosões disformes
informam que um tempo guloso
de mim não se apiedou.
Penteio meus cabelos, como ontem, como amanhã(?)
levo algo insípido ao meu bucho domado pela rotina
escovo minha parca e teatral dentição
e me preparo pra sair
(...)
sobre a mesa a pasta
a mesma pasta-parasita
grávida do pasto de papéis, provas, diários
estéril em informes, prazos, ofícios,
apresso meu passo
Me dou conta de que sou educador
que pra onde meu corpo pende
miríades de meninos e meninas me esperam
se encapelam num misto de amor e ódio pelo mestre afluente
que no quadrante onde trabalho
colegas de ofício e pasto
apartados pela norma
são tangidos dia e noite
pela máxima: “conheça o teu lugar”!
Inda ontem me chamaram de “desqualificado”
por ter saído do pasto e mugido em lugar e hora impróprios
meus parceiros de curral e estábulo também mugiram
e só mugimos não porque só o mugido nos restava
ou por morremos de amor por ele
mas pra poder ouvir o nosso próprio mugido
e acreditar que outros também mugem
pra que
por fim
nos encabulemos, nos incomodemos e apercebamo-nos de nossa miséria inumana
estou feliz por mugir!
Mas, afinal quanto estrago pode trazer o fim do sono de um boi
de um boi que se faz mestre?
Wellington Ribeiro da Silva
wellribas@hotmail.com