APARECIDA DE GOIÂNIA: SEGREGAÇÃO URBANA E PRODUÇÃO DO ESPAÇO - Lucas Maia
O conceito de segregação urbana é bastante debatido dentro da sociologia urbana, geografia urbana, urbanismo etc. Trata-se de um conceito fundamental para compreender o processo de produção espacial nas metrópoles capitalistas. A segregação é um processo concreto de disposição das classes sociais sobre o território. Como diria Flávio Villaça em seu livro “O Espaço Intra-Urbano no Brasil” a segregação é a dominação de classe vista de um ponto de vista territorial. As relações de dominação e exploração se realizam espacialmente conformando os processos de segregação. Henri Lefebvre em “O Direito à Cidade” afirma que a segregação deve ser analisada seguindo diferentes critérios: ecológicos (favelas, cortiços etc.); formais (degradação do urbano, da cidade e de seus signos); sociológicos (modos de vida, etnias, culturas etc.). Como é fácil perceber, os processos segregatórios são bastante complexos; vários elementos se imbricam na sua constituição.
Aparecida de Goiânia é um ótimo exemplo para compreendermos como se formata um espaço segregado. Foi fundada em 1922, ou seja, antes da construção de Goiânia (1933). Era conhecida como arraial de Aparecida de Goiás. Quando de sua fundação e até aproximadamente a década de 1940, quando já havia se tornado distrito de Goiânia, o território que hoje pertence ao município de Aparecida não tinha sofrido qualquer transformação substancial em sua estrutura intra-urbana. Tratava-se simplesmente de um pequeno povoado com algumas centenas de habitantes em volta de uma igreja, a Igreja de Nossa Senhora Aparecida, daí o origem do nome. Em meados dos anos 1940 e a década de 1950, alguns poucos loteamentos são criados onde hoje é o limite entre os municípios de Goiânia e Aparecida, a Avenida Rio Verde. Mas o que é relevante para a compreensão dos processos de segregação é que até este período, o território, que hoje é o município de Aparecida, não sofreu grandes alterações em sua forma, função e estrutura espacial.
A tese que defendemos é que esta “paralisia” deve-se ao fato de que Goiânia ainda não havia adquirido feições metropolitanas. Em 1963 é criado o município de Aparecida de Goiânia. Este é o início de uma estratégia de classe que irá se confirmar nas décadas seguintes. Estratégia de Classe não significa uma ação coordenada e planificada, com um único objetivo e executada segundo um plano solidamente determinado. Como diria Lefebvre: “O caráter de classe parece tanto mais profundo quanto diversas ações coordenadas, centradas sobre objetivos diversos, convergiram no entanto para um resultado final”. Ou seja, trata-se de um processo complexo, no qual estão envolvidos inúmeros interesses, grupos e classes sociais conflitantes, mas que convergem para um resultado determinado, qual seja, a dominação de classe através de uma estratégia espacial, a segregação.
Quando Goiânia se metropoliza, ou seja, torna-se verdadeiramente o centro fundamental de Goiás, atraindo para si um contingente populacional sempre crescente; quando sua realidade urbana adquire proporções antes não imaginadas, quando sua periferia se alarga sobremaneira etc. Aparecida de Goiânia passa a cumprir uma função diferenciada dentro da divisão territorial intra-metropolitana do trabalho. Esta nova função modifica sua forma e sua estrutura espacial se altera radicalmente. Estes processos se iniciam nos anos de 1960 e se aprofundam nas décadas seguintes. Aparecida de Goiânia era um espaço “esquecido” por Goiânia, agora passa a desempenhar uma função fundamental: o assentamento das classes exploradas que chegam a Goiânia, mas não tem condições de ali residir. Em uma palavra, Aparecida cumpre nas décadas de 1970, 1980 e 1990 o papel de assentar em seu território o contingente populacional atraído por Goiânia, mas que não podem ficar na capital. É esta a estratégia de classe que verificamos ao analisar a constituição do espaço intra-urbano de Aparecida de Goiânia. Esta estratégia configurou um espaço segregado.
Os problemas urbanos ali existentes: falta de infra-estrutura urbana na quase totalidade dos bairros, grandes distâncias para se chegar às áreas centrais de Goiânia, bairros inteiros dedicados quase exclusivamente à especulação imobiliária (segundo dados da prefeitura somente 32% dos lotes são ocupados etc) demonstram a veracidade desta afirmação. Ou seja, Aparecida de Goiânia cumpre um papel que é central para a manutenção das relações de exploração e dominação. A constituição deste espaço segregado é a demonstração viva de como as classes dominantes produzem e organizam o espaço de tal modo que ele serve à reprodução das relações sociais que o geraram. Cabe, entretanto, às classes sociais exploradas alterar este estado de coisas. Mudar a vida é transformar o espaço da vida.
Lucas Maia
Mestre em Geografia, professor da UEG-Minaçu e
integrante da Associação dos Geógrafos Brasileiros
TERRITORIAL. Vol. 1, n. 1. Junho de 2009.