AS FORMAS DE GOVERNO EM ARISTÓTELES - Lorrana da Silva Tinoco
Sobre Aristóteles
“Não devemos seguir os que nos aconselham a ocupar-nos com coisas humanas, visto que somos homens, e com coisas mortais, visto que somos mortais. Mas, na medida em que isso for possível, procuremos tornar-nos imortais e envidar todos s esforços para viver com o que há de melhor em nós; porque, ainda que seja pequeno quanto ao lugar que ocupa, supera a tudo o mais pelo poder e pelo valor”.
Aristóteles
(Ética a Nicômaco, Livro X)
Aristóteles - filho de Nicômaco que era médico, aluno de Platão e criador da Lógica - nasceu em Estagira em 384/383 a.C., colônia grega de Trácia, na fronteira com a Macedônia. Por volta dos dezoito anos, Aristóteles viajou para Atenas e ingressou na Academia de Platão (com o intuito de desenvolver e aprimorar sua espiritualidade), e lá se tornou discípulo do mesmo. Permaneceu na academia por 20 anos, isto é enquanto Platão viveu. De fato, era um homem que passava grande parte do tempo estudando, e Platão chegou a criticá-lo por estar sempre em companhia dos livros, enquanto Aristóteles critica Platão por mitificar a realidade.
Em 343/342 Aristóteles é chamado por Felipe, o Macedônio (aquele mesmo que era filho do rei Amintas que tinha como médico Nicômaco, pai de Aristóteles) para ser preceptor do jovem Alexandre, o Grande. Começou a ensinar Alexandre quando este tinha treze anos, e era um irrequieto jovem. Aos quinze anos este abandonou a filosofia e começou sua ascensão. Existem duas datas prováveis para a saída de Aristóteles da Macedônia e de seu cargo de preceptor: 336 a.C. ou 340 a.C. Aristóteles voltou a Atenas em 334 a.C. e seus últimos doze anos fundou sua própria escola, o Liceu quando tinha cerca de cinquenta e um anos de idade. Morreu em 322 a. C, poucos meses depois de ter se exilado.
Aristóteles escreveu cerca de cento e vinte obras, das quais quarenta chegaram até hoje. Seus livros fundamentais são: Retórica, Ética a Nicômaco, Ética a Eudemo, Orgânon, Primeiros Analíticos, Segundos Analíticos, Física, Metafísica, Sobre o Céu, Crescimento e Decadência, Sobre a Alma, As partes dos animais, Política, entre outros. Essas obras pertencem ao conjunto do chamado corpo esotérico das obras de Aristóteles. É sabido que a obra de Aristóteles é dividida em dois grandes grupos: os escritos exotéricos e os escritos esotéricos. Os escritos exotéricos seriam aqueles de fácil leitura, dirigidos ao grande público. Infelizmente, os escritos esotéricos estão quase que totalmente perdidos. Esses escritos eram feitos para os iniciados do Liceu, alunos e mestres, muitos ministrados em aulas, sendo patrimônio exclusivo do Liceu. Entre defender suas próprias ideias e respeitar a amizade a Platão e aos platônicos, diz Aristóteles em Ética a Nicômaco I, 6, 15:
Seria melhor, talvez, considerar o bem universal e discutir a fundo o que se entende por isso, embora tal investigação nos seja dificultada pela amizade que nos une àqueles que introduziram as Idéias. No entanto, os mais ajuizados dirão que é preferível e que é mesmo nosso dever destruir o que mais de perto nos toca a fim de salvaguardar a verdade, especialmente por sermos filósofos ou amantes da sabedoria; porque embora am’bos nos sejam caros, a piedade exige que honremos a verdade acima de nossos amigos.
Os seus principais Domínios de Investigação se encontra na filosofia, onde a mesma se aplica numa observação detalhada da natureza, da sociedade e dos indivíduos, organizando de uma forma verdadeiramente enciclopédica.
Contextualização e debate historigráfico
As discussões sobre as formas de governo inicia-se com o clássico Heródoto, na sua História (Livro III, §§ 80-82), o qual ele propõe três formas de governo sendo: o governo de muitos, de poucos e de um só, ou seja, “democracia”, “aristocracia” e “monarquia”. Em Heródoto a politica se concentra nas formas de governo ditas puras, ou seja, não há a possibilidade de uma forma mista. Contrapondo-se a Aristóteles que diz ser a forma mista a mais adequada e estável. Ele propõe uma mistura de oligarquia com democracia como única forma de atingir a estabilidade,
a menos que os filósofos reinem nas cidades, ou que quantos agora se chamam reis e dinastias, pratiquem nobre e adequadamente a filosofia, que venham a coincidir uma coisa tão pouco, segundo creio, para os do gênero humano; nem deve pensar que antes disso se produza na medida do possível nem veja a luz do Sol a cidade que traçamos de palavra (PLATÃO, 427- 347, Plato’s Republic)
Na sua obra “A República”, Platão mostra a importância que ele dá a arte de governar, pois ele a considera como a maior arte de todas. Ele propõe que esse governo só é acessível por uma minoria seleta, deixando bem claro que os governantes deveriam ser filósofos, como nota-se na sua citação a cima. Para Platão, ao governante corresponde a função de legislar a favor do bem comum, podendo modificar as leis segundo as circunstâncias e conforme sua prudência.
Norberto Bobbio no seu livro ‘A teoria das formas de governo’ diz: “O diálogo de A República [...] consiste na composição harmônica e ordenada de três categorias de homens - os governantes - filósofos, os guerreiros e os que se dedicam aos trabalhos produtivos”, ou seja, referi-se a um Estado que nunca existiu. “A timocracia é a degeneração da aristocracia, pressuposta forma perfeita, descrita como Estado ideal; a oligarquia é a corrupção da timocracia, e assim por diante. A forma mais baixa é a tirania, com a qual o processo degenerativo chega ao ponto máximo” (BOBBIO, 1988, p.47).
Platão também relaciona seus critérios de análise e classificação das formas de governo com as “paixões” dos homens dirigentes, virtudes essas que refletem na forma de governar: o homem oligárquico tem fome de riqueza, o democrático tem desejo imoderado da liberdade e o tirânico, a violência.
Maquiavel trata do Estado, na sua teoria afasta os imperativos da moral - moral essa usada pela Igreja - e proclama a autonomia do Estado. Em sua obra O Príncipe: “Todos os Estados, todos os governos que tiveram e têm autoridade sobre os homens, foram e são ou repúblicas ou monarquias”. Para ele O Príncipe é fundador do Estado. O bom Príncipe deve ter virtú, principal qualidade pessoal para conquistar a fortuna, ou seja, o governante não é o mais forte, mas o mais virtuoso. O poder se funda na força, mas é necessário virtú para manter- se.
O temor dos governos despóticos nasce por si só, entre ameaças e castigos; nas monarquias, as paixões favorecem a honra, e são por ela favorecidas; mas a virtude política é uma renúncia a si mesmo, sempre penosa. Podemos defini-la como amor das leis e da pátria – amor que, exigindo a preferência contínua do interesse público, em oposição ao privado, produz todas as virtudes particulares, as quais não são mais que essa preferência. (MONTESQUIEU apud BOBBIO, 1988, p. 133).
"Um governo precisa apenas vagamente o que a traição é, e vai contribuir para o despotismo". (MONTESQUIEU "Esprit des Lois, XII, 7")
As formas de Governo em Aristóteles
“Sabemos que toda a cidade é uma espécie de associação, e que toda a associação se forma almejando um bem, pois o homem trabalha somente pelo que ele considera um bem”. (ARISTÓTELES, 2007, p.13).
As formas de governo a qual Aristóteles fala são tratadas em sua obra A Politica- o que este artigo usa como fonte primaria- que põe em evidencia: A Monarquia, que e divide em: a dos tempos dos heróis tem uma submissão livre e voluntaria porém limita-se a certos objetos, com a guerra, os julgamentos e o culto; a dos bárbaros, liga-se a determinada raça e despótica, porém conforme a lei; a Aisymnética, ou seja, é o poder concedido pelo povo diferente dos reis bárbaros, não sendo contra a lei, porém não era ordinário, nem contagioso; e a monarquia real, que é voluntaria e hereditária;
A monarquia foi estabelecida contra a população em defesa das pessoas de bem. [...] Portanto a monarquia tem em comum com o poder aristocrático o fato de se dar mérito pessoal ou pelo dos avôs, pelo poder, pelos benefícios, ou por todos estes juntos... (ARISTÓTELES, 384 a.C. - 322 a.C. , p.151).
Argumenta- se que os que preferem o governo monárquico se baseiam no fato de que as leis, não poderiam dar conta dos casos particulares.
Na Aristocracia - do grego αριστοκρατία, de άριστος (aristos), melhores; e κράτος (kratos), poder, Estado -, o título de bom cidadão é sinônimo de nobreza. Onde o Estado é governado por um pequeno grupo de pessoas, tendo por finalidade o bem comum. Aristóteles chega a afirmar que a aristocracia é o poder confiado aos melhores cidadãos, sem distinções de nascimento ou riqueza. A aristocracia consiste, principalmente, em atribuir os cargos mais altos segundo o mérito. Seu primeiro objeto seria a virtude.
Nos próprios Estados em que não se cuida tanto da virtude não deixa de haver pessoas com reputação de probidade. Há, portanto, um ar de aristocracia em toda parte onde se observa a virtude, embora sejam prezadas também a riqueza e a popularidade, como entre os lacedemônios, que unem a popularidade ás considerações devidas á virtude. São estas duas espécies de aristocracia... (ARISTOTELES, p. 77-78).
Na “República”, Reúne o que há de bom em dois regimes degenerados, a oligarquia e a democracia, ou seja, esse é um sistema misto.
A Tirania seria explicada como o governo mais nocivo, ou seja, o que prejudicaria e causaria maiores danos, traduz- se nas palavras de Aristóteles:
Chamamos comumente ‘republicanas’ as formas que se inclinam para a democracia e ‘aristocráticas’ as que tendem para a oligarquia, porque é mais comum encontrar saber e conhecimento entre os ricos. Ademais, os ricos são menos expostos á tentação de agir mal, possuindo o que seduz aos outros. (Aristoteles p.78).
Segundo Aristóteles e Platão, "a marca da tirania é a ilegalidade", ou seja, "a violação das leis e regras pré-estipuladas pela quebra da legitimidade do poder" por si já determina a tirania. Uma vez no comando, "… o tirano revoga a legislação em vigor, sobrepondo-a com regras estabelecidas de acordo com as conveniências para a sua perpetuação deste poder (...) de monarquia á tirania, já que os tiranos ‘governam súditos descontentes com o seu poder’, poder que não se fundamenta no consentimento - não é ‘legitimo’, no sentido preciso da palavra; ao mesmo tempo, é uma forma de monarquia que difere das monarquias helênicas porque é exercida sobre povos ‘servis’, o que exige sua aplicação despótica”. (BOBBIO, 1988, p.50).
A Oligarquia (uns poucos, quase sempre proprietários de terras, que controlavam a cidade-Estado em benefício próprio) se divide em três: aquela que as magistraturas são dadas as grandes riquezas, excluindo os pobres; aquela que os proprietários são a minoria, mas a mais ricos do que os da precedente; e aquela que ocorrem as mesmas coisas, mas dominam os magistrados e não a lei.
E por fim, a Democracia que “surgiu quando, devido ao fato de que todos são iguais em certo sentido, acreditou-se que todos fossem absolutamente iguais entre si” (Aristóteles) na democracia Aristotélica o povo é soberano, mas com duas limitações: não deve ir além dos órgãos de deliberação e julgamento, pois estes são poderes coletivos expressos em uma constituição e não exigem competência técnica; a segunda limitação é o dever de agir de acordo com as leis.
Considerações Finais
Sendo assim, mostrando a perspectiva de Aristóteles sobre sua visão de governo, observa-se que de suas ideias foram tiradas as bases do governo de hoje, mostrando que ele estava à frente de seu tempo. Pondo então em evidência o Poder, do latim potere, que a política define como a "capacidade soberana’’’" de se impor algo, dai a "soberania nacional", sem alternativa para a desobediência dentro do chamado "Estado-de-Direito". Aristóteles distingue três tipos de relações de poder:
O poder do pai sobre o filho, do senhor sobre o escravo, do governante sobre o governado. Essas três formas de poder se distinguem entre si com base no tipo de interesse perseguido. O poder dos senhores é exercido no seu próprio interesse; o paterno, no interesse dos filhos; o político, no interesse comum de governantes e governados. (BOBBIO, 1988, p.58).
Referências
Fontes primarias:
ARISTÓTELES. A Política. Trad. Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Martins Fontes, 2006 (Livro I e II).
ARISTÓTELES. Etica a Nicômaco. Trad. Leonel Vallandro e Gerd Bornhein. São Paulo: Nova Cultural, versão para eBooksbrasil. Os Pensadores; v. 2, 1991.
HERÓDOTO. História. versão para e BooksBrasil, 2006.
MAQUIAVEL. O principe. Trad. Maria Júlia Goldwasser. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
PLATÃO. A República. Trad. Pietro Nassetti. 3ª Edição. São Paulo: Martin Claret, 2000.
Fontes historiográficas:
Bobbio, Norberto. A teoria das formas de governo. Trad. Sérgio Bath. 10ª Edição. Brasília: Ed. UNB, 1997.
Sites consultados:
https://www.consciencia.org/aristoteles.shtml
https://www.ebah.com.br/content/ABAAAA6I4AC/a-politica-aristoteles
https://www.edubraga.pro.br/filosofia-politica/a-historia-de-herodoto-as-formas-de-governo-e-as-eleicoes-brasileiras-de-2010/
https://www.mundodosfilosofos.com.br/aristoteles.htm
https://www.pucrs.br/edipucrs/XISalaoIC/Ciencias_Sociais_Aplicadas/Direito/84434-ELAINETICIANAPOLIZEL.pdf
Lorrana da Silva Tinoco
Graduanda em História pela Universidade Federal de Goiás
lorrana.ofg3@hotmail.com
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Ficha bibliográfica:
TINOCO, Lorrana da Silva. As formas de governo em Aristóteles. In: Territorial - Caderno Eletrônio de Textos, Vol. 3, n 4, 05 de fevereiro de 2013. [ISSN 22380-5525]