BICO DO TUCANO - Eguimar Felício Chaveiro

10/01/2012 12:00

 

Ando muito preocupado: com quase cinco décadas nos ombros, não tenho tido capacidade de perder a juventude. Todo dia invento uma arte; em cada instante edifico uma manhã. Ao invés de mastigar chiclete, mastigo nuvens com os olhos. Ao invés de retesar os músculos na academia de ginástica, faço exercícios para aumentar o alcance da imaginação. Voo com o pensamento para ter mais intimidade com a terra. Planto gestos no trabalho para colher amizades. Não faço mais perguntas sobre o mistério do arco-iris. Vejo-o no bico do tucano.

Tenho estado com medo de sofrer uma redução de idade e voltar a ser criança novamente. Talvez porque vou ao circo todas as semanas para abastecer o meu desejo de encantamento. Quando o palhaço Peteleco não vai, certamente por estar apaixonado pela dançarina, eu o substituo. Com tantas piruetas e cores não há tempo para contar a idade, nem para escrever memórias. Apenas anoto as situações com a escrita do sorriso aberto - e de indagações. Sinto que já vivi três eternidades. E o que viverei, caso vocês estejam junto, vai passar de 30. O critério do tempo é pouco. E dizem que não há outro. Mas na contabilidade do invisível, dia, noite, anos e décadas, não passam de instrumentos para requintar a percepção.

A minha preocupação é mais fluente: temo estar demente, pois não tenho tido tempo para reclamar de nada e nem razão para não ser alegre. Ao invés de preocupar com os meus cabelos prateados, sinto dificuldades em comandar o crescimento de amor no meu peito. A minha vontade de ministrar aulas, de pesquisar, de ir ao estádio de futebol, de encontrar os amigos, aumenta muito, o que faz com que eu queira ser eu mesmo, embora sabendo que sou um ente defeituoso de nascença. Nasci por um milagre pelas mãos da parteira e por influência de sua cor negra. Esta proximidade com a África no nascimento me  batizou.

Já não sei o que faço mais, pois sei que a vida é uma panfagia universal - nascemos porque alguem comeu outro; vivemos porque comemos todos os dias. A terra irá nos comer. Todavia, a mim, a panfagia é lírica. Cada gesto me alimenta - e cada passo que vejo alguem dar é, para mim, uma dança total do cosmo.

Peço-lhes que me ajudem a encontrar um caminho fora da poesia. Não conheço um que não seja poético - e que não me remete a ter razão para que procure ser mais terno e mais simples. Em estado de ternura tudo vibra com maciez - e com coragem maravilhal.

É bem possível que tenha dificuldades de expressar o que sinto e até lhes peço desculpas: mas eu só me interesso pelo assunto da liberdade, o que para mim justifica a arte, a ciência e a vida.

 

Eguimar Felício Chaveiro
Professor Associado do IESA/UFG
Membro da Academia Trindadense de Letras