CASAMENTO DO SABER FORMAL COM O SABER INFORMAL - José Paulo Teixeira
A tecnologia desenvolvida no seio do capitalismo busca produzir, a todo custo, objetos para facilitar a vida das pessoas. Essa produção desenfreada nem sempre está associada a um modelo de sustentabilidade. Como fazer então para conseguir com que as pessoas desenvolvam uma cultura de consumo em que a sustentabilidade esteja imbricada no processo entre o saber e o fazer?
Essa introdução serve como base para observamos a relação do saber do camponês com os elementos da natureza (no caso goiano, o Cerrado). Ressalta-se que o exemplo de camponês que gostaríamos de elucidar é o homem do campo que desenvolve práticas produtivas em sua pequena propriedade e que estabelece o seu saber a partir do espaço vivido. Em sua maioria, não tiveram oportunidade de estudar, por isso não conhece os saberes acadêmicos da geografia, da química, da história e nem de outras disciplinas ofertadas pelas instituições de ensino. Mesmo não sabendo nenhuma dessas "gaiolas do saber", o camponês pratica na lida diária uma geografia profunda e até mesmo um conhecimento que envolve a química.
Esses sujeitos, ao longo da história, desenvolveram conhecimentos e objetos fundamentais para os custeios diários, como exemplo do "sabão de bola", do modo de armazenar e conduzir o alimento, etc. Tendo em vista que essas pessoas não possuem toda parafernália disponível nos grandes centros urbanos, o legado cultural de seus antepassados lhes fornecem saberes fundamentais. O "saber fazer sabão" é um dos legados que ele preserva, pois, acima de tudo é um deixado muito importante, inclusive nos ditados populares: "pra casar é preciso saber fazer sabão”.
Esse "saber fazer sabão", que está no cerne do matrimônio do camponês, não é produzido em grande escala. Ele se produz a partir de elementos encontrados no próprio ambiente de vida do camponês. A prática de buscar "lenha" para preparar alimentos no "fogão caipira" fornece um elemento fundamental para a produção do "sabão de bola": a cinza. As mulheres, que também desenvolvem seus saberes obtidos no cotidiano, sabem distinguir o nível de acidez das cinzas, as quais são utlizadas para gerar um tipo de soda cáustica para a produção do sabão. Destarte, poderíamos nos perguntar: como elas sabem que aquilo trata-se de soda cáustica? A questão é que esse aprendizado foi obtido no dia-a-dia, em um processo de herança de conhecimentos não apropriados como na vida urbano-moderna. Na escola esse aprendizado seria diferente.
Voltamos ao "saber fazer sabão". O casal de camponês coloca em um recipiente grande (tacho), pedaços de carnes com muita gordura, ao qual ficará cozinhando até diluir (desmanchar) toda a carne. Por conseguinte, as cinzas aprovadas pela mulher e que fora depositada dentro de uma lata para fermentar (decantar), passa por um processo em busca da acidez adequada. O chorume extraído desse decantamento é adicionado no recipiente onde já se encontra a gordura fervendo. Pela experiência e pela prática do camponês, o chorume (soda cáustica) vai sendo adicionado até chegar ao ponto do sabão estar pronto. À medida que vai fervendo todos os componentes para a fabricação do sabão, ele vai ganhando consistência ao ponto de empelotar. Assim é produzido o famoso “sabão de bola”.
Esse pequeno gesto do "saber fazer sabão" é um exemplo de união e apropriação da natureza pelo ser humano havendo, com isso, mais respeito e sustentabilidade. Não estou querendo promover o meu casamento, mas apenas mostrar que o "saber fazer tradicional" tem um valor primordial. O "saber fazer científico" vem ganhando destaque perante a sociedade do consumo, lhe servindo de orientação e parâmetro para uma maior apropriação e produção a partir dos recursos naturais. Não seria o momento do saber fazer científico intensificar a sua proximidade com os saberes tradicionais? Quem sabe o casamento dê certo e ainda demonstre o nosso reconhecimento, mesmo que tardio, desses saberes tão fundamentais. O reconhecimento científico desses saberes já vem sendo consolidado em várias partes do mundo, porém ainda é muito tímida em um país que precisa rever as suas práticas de produção do conhecimento e também de apropriação dos recursos naturais.
José Paulo Teixeira
Professor da UEG-Minaçu, integrante do Laboratório de Estudos de
Gênero Étnico-Raciais e Espacialidades (LaGENTE) e da AGB-Goiânia