Cerrado goiano: Contradições e desigualdades no processo de ocupação

31/05/2009 20:28

O século XX é um marco no processo de ocupação e apropriação do Cerrado Goiano. Pois o território goiano que era, até então, caracterizado por uma ocupação rural e atividade produtiva de pecuária extensiva e agricultura de subsistência (fazenda goiana), marcha rumo a modernização capitalista. 

Assiste-se, então, a partir de 1930 - com a política de integração do governo Vargas - à ocupação do Cerrado Goiano como uma prioridade nacional, inserida num projeto que, no âmbito regional, buscava articular as regiões produtivas do Estado de Goiás, principalmente as regiões sul e sudoeste e, no âmbito nacional, buscava adequar o país a um novo ritmo de produção capitalista. Sendo assim, a apropriação e ocupação do Cerrado, neste período, dá-se de maneira planejada e com interesses e funções políticas e econômicas bastante definidas. Era o Brasil integrando o sertão ao litoral, através da Marcha para o Oeste. Era a possibilidade de modernização de Goiás, que poderia sair do “adormecimento” e tornar-se o “coração do Brasil”.

Para que esse projeto se viabilizasse, inúmeros foram os recursos usados. Desde acordos políticos, econômicos a campanhas publicitárias que tinham como objetivo difundir a necessidade de modernização. O novo era o caminho. Para isso, nada melhor que um projeto arrojado e moderno que vislumbr  asse a integração e o desenvolvimento; era a inserção do sertão nos tempos modernos. O Goiás das “Tropas e Boiadas”, de Hugo de Carvalho Ramos, deveria se render ao traçado de Versalhes, de Atílio Correia Lima.

Essas transformações que tiveram como objetivo principal tornar o Cerrado produtivo e lucrativo alteraram de forma significativa a configuração socioespacial do território goiano.

A terra, que até então era considerada “de baixa produtividade”, com os incrementos técnicos científicos (calcário, máquinas agrícolas de últimas gerações, pivôs, etc) se transformaram em terra de primeira e, conseqüentemente, um “paraíso” para a implantação do agronegócio (grandes plantações de grãos e, mais recentemente, da cana-de-açúcar). Vale ressaltar os subsídios e as facilidades propiciadas pelos governos estadual e federal, em especial a partir da segunda metade do séc. XX, através de linhas de créditos especificas, incentivos fiscais, infra-estruturas, dentre outros.

Assiste-se, assim, pela lógica do mercado de consumo global e do capital transnacional a mais brusca transformação socioespacial do cerrado goiano. A antiga paisagem do cerrado foi se modificando e transformando predominantemente em grandes plantações e em empresas agropecuárias. A transformação do rural em agrícola mecanizado em um período histórico tão curto gerou impactos econômicos, sociais, culturais e espaciais que hoje podem ser claramente percebidos. Pode-se dizer que o Cerrado Goiano, hoje, presencia vários tempos em um mesmo espaço.

Em recente trabalho de campo realizado no Sudoeste Goiano, pudemos presenciar o outro lado da modernização. A ema, figura principal do Parque Nacional das Emas, agora vive nas lavouras de soja, localizadas ao longo de todo o entorno do parque. Encontra-se em cidades como Mineiros e Jataí uma enorme disparidade socioeconômica que antigamente era característica exclusiva das metrópoles. Sem falar da criação de cidades totalmente verticalizadas, como o caso de Chapadão do Céu e das empresas transnacionais com tecnologia e mecanização de ponta que concentram a maior parte de sua produção para o mercado externo, além da escassez de geração de empregos em grande escala, diferente do que comumente se anuncia.

Neste sentido podemos dizer que o Cerrado Goiano é um território em disputa. Estudar o seu processo de ocupação e apropriação é se deparar com o tradicional e o moderno, com o local e o global, com o valor de uso e o valor de troca. Enfim, é perceber que existem divergentes e diversas forças em movimento. Que o conceito de produtivo ou improdutivo instaurado no seio da sociedade normalmente estão carregados de símbolos, signos, significados e significantes e que, por seguinte, não nascem do esmo. E, ao surgirem, se disseminam por toda a sociedade como uma verdade absoluta e única.

O território goiano é ao mesmo tempo rico e miserável, tradicional e contemporâneo, lento e rápido. Enfim, as contradições e desigualdades proporcionadas pelo modo de produção vigente estão nítidas em sua paisagem.        

A antiga paisagem do cerrado foi se modificando e transformando predominantemente em grandes plantações e em empresas agropecuárias. O que era rural tornou-se agrícola em espaço.

 

 

Márcia Pelá: Produtora Cultural, mestre em Geografia e Presidente da ONG - Cultura, cidade e Arte.

Denis Castilho: Mestre em Geografia e Professor do Curso de Geografia da Faculdade Alfredo Nasser.