DA SÉRIE “O CONJUNTO DE RELAÇÕES SOCIAIS MEDIADAS POR IMAGENS”: O DIA EM QUE A ALIENAÇÃO VESTIDA DE INDIGNAÇÃO SAIU ÀS RUAS - Glauco Roberto Gonçalves

01/07/2013 12:00

 

Com o “pequeno punhado de palavras” que seguem, não pretendo dar nenhum conselho, alerta, dica, orientação ou coisa do tipo ao Movimento Passe Livre (MPL) e aos que iniciaram o mês de junho mais quente que qualquer outro aqui no Brasil. Nenhum “punhado” de letras, aliás, pode dizer algo para sujeitos protestantes, os quais têm executado nas ruas narrativas vivazes, tirando da língua e do papel vários ideais e colocando-os na cidade real.

O que move este texto é o fato de que a perola foi tomada pelos porcos, que de bandeiras e pinturas nacionalistas foram às ruas em mais um episódio que na verdade tornou-se um momento do que é falso. 

O ponto de inflexão aqui é, portanto, o dia 17 de Junho. Dia para entrar na história do espetáculo! Dia em que a confusão e a explicação atônitas, eufóricas cantaram o hino nacional para os “Wilhans Bonners” verem, louvarem e transmitirem. 

Impossível continuar sem começar pela noção das massas. Eis o fetiche que une direita, esquerda, marcha de Jesus Gay e tudo mais. O legado e o formato das massas é o veneno-remédio que segue moldando com exclusividade toda forma de agir e manifestar.

Mas é preciso lembrar que não há massa que não seja moldada de acordo com que a amasse.  Agora, em lugar nenhum do planeta existe massa que adquira forma de modo independente. Isto é: toda massa precisa de molde e de modelador.

Aqui o conservadorismo da manifestação em forma de massa imobiliza a revolta e, quiçá, a revolução. A massa inviabiliza o coletivo. A massa esboroa o movimento - e os que ainda movem o mundo sabem disso.

 

Os que rogam a revolta com a premissa das massas tem um cadáver na boca. Mas nós os vomitaremos sem votos!

De quinta-feira (13 de Junho de 2013) até segunda-feira (24 de junho de 2013) o Brasil passou por uma operação de atualização espetacular digna de nota. Eu, particulamente, não tenho conhecimento de outro momento em que tal fato tenha ocorrido em outro lugar (há quem queira citar 89 ou os caras pintadas). Trata-se de um roubo em larga escala - da cooptação quase generalizada (quase porque a turma do MPL não é boba, nem fraca, nem nasceu ontem!!!) de um movimento genuíno, legítimo (clássica - e vazia, expressão usada em contexto político) e agregador.

Tal operação foi posta em curso, pois os detentores do poder, bem como da mídia e do monopólio da violência, sabem perfeitamente que o sistema é frágil. Embora nos digam o tempo todo que é impenetrável, sabem (temem) que o castelinho de cartas seja assoprado.

Ficou claro, mais uma vez, que destruir (não entenda aqui quebrar coisas banais) é mais fácil que manter.

A questão que move essas breves palavras é aquela que intenta entender como foram jogados na rua os tais 250 mil zumbis verde-amarelos com cartazes Jaborianos, Josoarianos, Dimenstainianos, Ponderianos, em suma: coxinianos. A diminuição da tarifa enveredou, em pouco tempo, a diminuição da maioridade penal. E este “rebosteio” precisa ser abordado para evitarmos novos capítulos desta tragédia que procura esvaziar a única possibilidade de completude.

Primeiro, para tanto, é preciso partir da premissa de que o censo comum político brasileiro é ralo, raso, irrisório. Irracionalmente reacionário. Quem tem como prática conversar na padaria, no mercado, na rua, no ônibus, etc., se depara constantemente com a indignação sendo moldada como reação. A insatisfação da população já há muito tempo é canalizada no corrego do conservadorismo mais banal e selvagem. O senso comum político brasileiro reúne estranhamente o prisma da indignação que sem as devidas ferramentas (e com os depressivos meios de comunicação) se torna reação. Aqui a distância entre a rebeldia contra o poder e o poder contra a rebeldia desaparece em segundos (ou de quinta pra segunda). Um torna-se o outro posto em curso por duas ou mais opiniões mais efervescentes. O horror contra a violência policial se transmuta em uma horrorosa “policialização” anti-violência (vandalismo). Se quinta-feira as ruas de São Paulo tinha a violência policial como realidade, na segunda-feira a polícia de farda não foi necessária pois beiravam os 100 mil policiais sem farda do censo comum contra o que chamam vulgarmente vandalismo.

 

A política espetacular constrói seu espetáculo político!

A corrupção é palavra de ordem que dá o tom do censo comum no “Tucanistão” (feliz-triste expressão de um amigo que, faz tempo, diz muito além dos tucanos. Aliás, peço aqui ajuda aos biólogos para entender essa nova (nem tão nova) espécie de tucanos avermelhados estrelados. A corrupção é a palavra-mantra que impede de ir além. Por corrupção se entende tudo e, ao mesmo tempo, nada. A bate estaca contra a corrupção tem um sentido (tem sido sentida) como o último bastião na defesa da forma mercadoria. Isso porque a crença anti-corrupção é aquela que gostaria de ver o mundo da mercadoria se reproduzindo sem contradições. Basta acabar com a corrupção para a mercadoria viver livremente enquanto nos escraviza.

Também é de praxe, mas nos eventos desta semana foi ainda mais brutal e gritante, ver a profusão de mal intencionados querendo gozar com o órgão genital do outro. Leia-se todos aqueles que estão contando vitória em nome da redução da tarifa, quando o movimento que propôs as manifestações chama-se PASSE LIVRE.

 

Não há meia vitória!  Só há uma vitória possível!   Abutres, vermes e partidos vivem do passado - nós queremos todo o resto!

A quem diga (gente que eu respeito e gosto) que é preciso unir esquerda. Eu concordo. Só resta discutir agora o que (e quem) é esquerda!

A radicalidade não tem meio termo. As instituições nunca mereceram respeito. O único mundo possível está por ser feito nas ruas sem bandeiras e cartazes. As manifestações populares estão postas no horizonte (Viva o MPL, O MTST, os grupos autônomos, os movimentos populares, a periferia, e todos os outros que sabemos bem quem são). É preciso disputá-las com os canalhas profissionais da política de amanhã, que querem torná-las inócuas. As massas não são a solução!

A revolução não é antiquada, nem inadequada. Precisa ser lembrada, discutida, posta a prova: retirada do baú das palavras proibidas. Ainda que ninguém tenha falado dela, ela está em cada esquina em chamas. E o sistema treme, e por isso quer caras verdes-amarelos!

Os saques no centro na Terça-feira mostram o desprezo e o fetiche pela forma mercadoria. Toda mercadoria destituída de valor de troca dá pistas de um novo mundo, dá pista do fim da mercadoria.

O futuro precisa deixar de ser um camará de gás. A luta pelos tais 20 centavos é também a luta pelo fim do dinheiro (não falo em nome do MPL, mas sei bem que eles sabem disso). A luta pelo direito à cidade passa irrevogavelmente pela saborosa arte de subverter e sabotar as engrenagens da cidade que ai está.

Violência é aquilo que você assiste sentado confortavelmente diante da televisão. O que os ditos vândalos criam portais (tipo aqueles da caverna do Dragão) que flertam com um mundo que está por vir, onde não teremos vandalismo pois não teremos que cultuar nem respeitar nenhum objeto. Nenhuma mercadoria é humana, não há violência contra coisas!

 

A quem peça a morte. Mas nós queremos a vida em toda sua potencialidade para todos!

Tudo isso está por ser disputado no jogo contra aqueles que querem seguir produzindo a realidade e as relações sociais dentro de seus termos e com suas análises.

Eles já nos roubaram tudo (nos fazendo comprar em prestações). Agora nos resta roubar deles todos aqueles pintados e embandeirados que eles mandaram às ruas.

A revolução será uma festa, que talvez já tenha começado.

Glauco Roberto Gonçalves

Universidade de São Paulo

glauco.goncalves@usp.br

 

 

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Ficha bibliográfica:

GONÇALVES, Glauco Roberto. Da série “o conjunto de relações sociais mediadas por imagens”: o dia em que a alienação vestida de indignação saiu às ruas. In: Territorial - Caderno Eletrônico de Textos, Vol.3, n 5, 01 de julho de 2013. [ISSN 22380-5525].


 

 

 


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