DAS UNIVERSIDADES FEDERAIS ÀS UNIVERSIDADES FINANCEIRAS: O FIM DO FUTURO COM O PROGRAMA FUTURE-SE - Glauco Roberto Gonçalves

22/07/2019 01:12

 

Lançado no dia 17 de Julho de 2019 pelo Ministério da Educação, com consultoria feita por uma empresa de coaching[1], o programa propõe gestão privada das Universidades e Institutos Federais, bem como fomenta a captação privada de recursos e a mercantilização do conhecimento e dos campi como forma de reestruturação orçamentária do ensino superior de caráter público no país.

A mesma arma que a universidade usa para matar de tédio, o governo usou para matar a universidade: o Power Point. Em 21 páginas de puro slide, uma avalanche de mercantilização.

Para entender o Future-se, convém compreender o tamanho e profundidade da atuação de grupos privados de caráter financeiro abocanhando recursos públicos no Brasil ao longo da última década.

O governo corta 2 bilhões de verbas inviabilizando o funcionamento das 63 Universidades Federais, mas vai colocar 102 bilhões num funding (p.15) que será gerido por uma instituição financeira privada em regime de monopólio.

Na página 9 prevê a utilização de naming rights. Fico imaginando o campus Monsanto da UFG, ou o Hospital Souza Cruz das Clínicas.

O capital financeiro usa economias nacionais como grandes cassinos de apostas. Montantes de capitais entram e sai da noite para o dia, de acordo com o tal humor do mercado,  sem prestar contas ou gerar riquezas.

A Bovespa e tesouro direto (aliás o nome é autoexplicativo né?! Direto ao tesouro, sem ônus ou riscos) são exemplos concretos e cruciais para entender o país de joelhos diante do capital parasitário, vulgo financeiro.

O capital ou se reproduz de forma ampliada, sempre crescente, numa constante, ou é crise. Mas é cada vez mais difícil crescer, produzir mais e vender mais, por isso os parasitas do mercado atuam para criar mercados e para abocanhar dinheiro fácil.

O Brasil tem uma Constituição Federal (Acreditem, tem!) que prevê que o Governo Federal deve investir 18% de tudo que arrecada em educação. Os governos estaduais tem dever constitucional de investir 25% do que arrecada.

O que os parasitas do mercado não se conformam é que este dinheiro vira educação gratuita, e como de praxe vão criando formas de se apropriar privativamente destes recursos por variados meios. O necroliberalismo[2] vem à tona quando abutres do mercado convencem a sociedade que o dinheiro público precisa ser tornado privado.

São vários os mecanismos de apropriação privativa do dinheiro público da educação por grupos privados.

Vamos a alguns deles:

De 2003 a 2017 o Governo Federal ampliou em 169% os gastos com educação. Os gastos com as Universidades Federais cresceram 155%. Os recursos do Governo Federal para as Instituições privadas de ensino superior cresceram 1.255%.

Isso! Mil duzentos e cinquenta e cinco por cento! A financeirização da educação no Brasil se deu por meio de verba pública diretamente destinada a empresas privadas e no meio do caminho endividamento de famílias pobres tentando melhorar sua vida estudando. FIES e PROUNI criaram assim mercados grandiosos e altamente lucrativos, dinheiro garantido, direto e fácil, vindo dos cofres públicos. Necroliberalismo mais uma vez. O Estado não presta, mas o dinheiro dele sim.
Não vou entrar no mérito do quanto estes programas permitiram pessoas estudarem. Este é um tema de longo debate.

Em 2003 o Governo Federal destinou 1,6 bilhão para estes programas. Em 2017 foram destinados 21,8 bilhões. Estes números refletem um gasto de 16% de tudo que o governo investe em educação. Representam ainda 42,3% das despesas da União com todas as Universidades Federais (CHAVES, 2019).

Educação é vista, portanto, como mercadoria e infelizmente essa visão não foi inaugurada por estes movidos a ódio que estão no Planalto.

Em 2015, de acordo com Chaves (2019) o FIES representou 70% da receita líquida presencial do grupo Kroton, o que equivale a 4,2 bilhões de reais. Vale lembrar que a verba das 63 Universidades Federais em 2018 era de 6 bilhões, com o corte de 30% passou a ser algo em torno de 4 bilhões.

O grupo Estácio obteve 55,17% de sua receita líquida com o FIES em 2015 (CHAVES, 2019).

A transferência de dinheiro público da educação, verba com piso constitucional, para empresas (algumas de capital aberto na bolsa, com participação ativa de conglomerados internacionais) parece ter encontrado um novo caminho para reproduzir ampliadamente seu capital, abocanhando as Universidades que de federais viram financeiras, pois a ótica é determinada pela capacidade de torná-las ativos financeiros, com capital aberto. Tudo que tem nelas, inclusive eu e você, precisam ser precificados, pois não há nada que não possa ser vendido, e para ser vendido precisa de preço. Prédios, artigos, alunos, pesquisas, acervos, patentes, professores e estudantes, livros, crítica ou apologia, tudo passa a ser quantificado sob a égide do quanto vale ou é por quilo. A quantificação abstrata aparece assim como algo que possui uma lógica coerente, próprio de tudo que o mercado toca, mas não passa de mais uma estratégia desesperada de tentar fazer dinheiro virar mais dinheiro em imensas apostas onde os ganhadores são sempre os mesmos poucos de sempre.

"A educação brasileira pode ser um produto tipo exportação”. O jovem vai ser liberado da perspectiva de ter que arrumar um emprego ou prestar concurso público, pois serão empreendedores e donos dos próprios destinos[3]. As frases de Arnaldo Barbosa de Lima Júnior, secretário de Ensino Superior do MEC, falam por si só que a ditadura do empreendedorismo não suporta seu contrário. Fica evidente também que é cada um por si e o caos para todos.

 

Referências

CHAVES, Vera Lúcia Jacob. “O Ensino Superior Privado Mercantil em tempos de economia financeirizada". In: CASSIO, Fernando (org.). Educação contra a Barbárie. Editora Boitempo, São Paulo, 2019.

MARTINS, Luísa. Professor universitário poderá ser muito rico, diz secretário do MEC. Valor Econômico, 17 de julho de 2019. Disponível em https://www.valor.com.br/brasil/6353707/professor-universitario-podera-ser-muito-rico-diz-secretario-do-mec (acesso: 18 de Julho de 2019).

Fonte da imagem: https://jornalggn.com.br/educacao/cinco-motivos-que-explicam-porque-educacao-e-o-melhor-negocio-de-todos-os-tempos/ (acesso: 18 de Julho de 2019).

 


[1]“A Future-se auxilia seus clientes através do Coaching de Carreira e do Coaching de Vida – também conhecidos como Profissional e Pessoal/Life, a partirem do estado atual em direção ao estado desejado. Coaching é um método de desenvolvimento humano com foco no futuro, para o alcance de objetivos específicos e mensuráveis a partir de ações bem definidas e realizadas no presente. “Futurar-se” nos remete à ideia de preparação para o futuro. E o que é o futuro quando pensamos que daqui a um segundo já estamos lá? O tempo corre e não podemos ficar esperando o futuro chegar. Precisamos entrar em ação, já. Isso é coaching! É uma decisão auto motivadora no presente de cada um, visando a conquista de objetivos de curto, médio ou longo prazo. É decidir mudar e agir!”. Disponível em: www.future-se.com.br (acesso: 20 de Julho de 2019).

[2] Os neoliberais, na verdade, amam o Estado, dependem do Estado, lucram com e por meio do Estado. Não vejo neoliberais pedindo Estado mínimo quando se deleitam nas altas taxas de juros que o Estado brasileiro pratica. Também não os vejo querendo Estado mínimo quando compram títulos da dívida pública e enchem o bolso com dinheiro proveniente do Estado. Não haveria neoliberais sem Estado. Eles só não gostam que o Estado use dinheiro com políticas públicas como educação, saúde e previdência. O sonho deles é que o Estado vire o Banco Central. O acirramento e as contradições na reprodução das relações capitalistas de produção obrigam os neoliberais a rumar ao necroliberalismo. Neste estágio a sobrevivência do capitalismo encontra justificativa plausível para a morte de tudo e todos que não seja a dele mesmo. Eles, os necroliberais, se tornam um misto hiena com abutre, atuando sobre as políticas públicas rindo e beliscando vísceras. Pra cada morto de fome um dinheiro estatal que pode virar pagamento da dívida, compra de dólar, desoneração fiscal, subsídios agrícolas. Pra cada corte no bucho da educação um abutre necroliberal justificando a necessidade do equilíbrio das contas públicas. Pra cada um dos 23 milhões de brasileiros que recebem um salário-mínimo da previdência há um necroliberal explicando pacificamente que a morte desses 23 milhões vai salvar o Estado.
Pra cada brasileiro morto há algum dinheiro público que pode ser destinado ao mercado. A miséria gerada pela desigualdade social e não mediada por políticas públicas é a matéria prima dos necroliberais. Os neoliberais defendiam a pobre ideia do mercado livre. Os necroliberais defendem a morte do pobre para uma ideia de livre mercado.

[3]“Professor universitário poderá ser muito rico” diz secretário do MEC. Disponível em: www.valoreconomico.com.br (acesso: 18 de Julho de 2019).

 

Glauco Roberto Gonçalves

Doutor em Geografia Humana pela USP.

Professor do Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada a Educação (CEPAE) da UFG.

Email: glaucogoncalves1@gmail.com

Ficha bibliográfica:

GONÇALVES, Glauco Roberto. DAS UNIVERSIDADES FEDERAIS ÀS UNIVERSIDADES FINANCEIRAS: O FIM DO FUTURO COM O PROGRAMA FUTURE-SE. In: Territorial - Caderno Eletrônico de Textos, Vol.9, n.11, 7 de julho de 2019. [ISSN 22380-5525].