DEUS ESTÁ MORTO OU SE TORNOU CAPITALISTA? - José Paulo Teixeira
No final do século XIX o filósofo alemão Nietzsche decretou a morte de Deus. Para ele, “Deus está morto”, “continua morto”, e “fomos nós que o matamos”. Essas frases do autor podem ser conferidas na seção 125 (O insensato), do livro “A Gaia Ciência” (NIETZSCHE, 1981). Como anunciar a morte de um ser invisível, um ser que só se explicava a partir da irracionalidade? Poderia ser então, a morte simbólica de Deus? Cabe lembrar que o próprio Nietzsche não trabalhava com os dualismos - racionalidade ou irracionalidade estão dentro de um sentido da própria razão, ou seja, a noção de irracionalidade só pode existir a partir do próprio pensamento.
Nas palavras de Nietzsche no contexto do século XIX, Deus está morto não no sentido do ateísmo e sim no sentido de que ele não mais explica os fenômenos físicos (os fenômenos em si), tendo essa explicação, agora, a partir das instituições cientificadas. Nietzsche também acreditava que a noção de ciência, ou melhor, o processo educativo das questões científicas não serviam para todos. Antes da ciência moderna – com Bacon, Galileu e Descartes – as coisas, os fenômenos, tudo que girava em torno das sociedades, de uma forma ou de outra carecia de explicações. Na verdade carecia aos olhos da ciência moderna, mas se qualificavam como verdadeiros aos olhos da sociedade. O que decide se algo é verdadeiro ou não, ou melhor, como as coisas são explicadas, não é a ciência em si, mas os processos históricos de legitimação do que é verdade, saber, conhecimento, etc. Essas, na maioria dos casos se explicavam pela irracionalidade ou por “vontade dos deuses”. Deuses criados pelos seres humanos desde outrora para suprir, sanar algumas necessidades e explicar o inexplicável, como, por exemplo: para onde iremos depois da morte?
Se antes a religião pelo cristianismo exercia o papel da legitimação da verdade, do saber e do conhecimento, agora com a ciência moderna, ela se reduz aos mistérios divinos, das coisas irracionais. Nesse sentido, Deus está morto para a ciência, pois o mesmo Deus já não consegue dar conta de explicar os fenômenos racionais, que se figuram assim, pela observação, quantificação, experiência e pela existência.
Se a racionalidade humana (ciência moderna) foi à responsável pela desautorização de Deus, em alguns aspectos, o mesmo continua vivo, e muito autorizado pelas religiões cristãs. Em muitos casos a religião nasce com um idealizador, com um criador de um determinado segmento religioso e depois continua presente nos ensinamentos doutrinários exercidos pelos sacerdotes. Em alguns exemplos, uma religião surge a partir de uma mensagem divina, frequentemente em sonhos, ou até mesmo por visão. Normalmente é dito pelos líderes religiosos que seres divinos (anjos) aparecem a determinados indivíduos (escolhidos) e revelam a estes como devem proceder para fundar uma igreja e nela guardar os mandamentos cristãos e, por conseguinte, disseminar a palavra de Deus. Em geral é revelada também, a cidade, o lugar onde o templo religioso se constituirá e a partir dele sua difusão para outros lugares do mundo.
Até a década de 1970 algumas religiões cristãs tinham como prática o anúncio de uma vida com Deus após a morte. Só alcançaria aquele que buscasse durante sua vida, o pertencimento a uma religião, o exercício da caridade, da fraternidade, da justiça, ou seja, o bem de si mesmo e do seu próximo. Esse propósito foi muito bem desenvolvido pelas religiões cristãs evangélicas. No Brasil esses segmentos evangélicos têm o seu entendimento a partir de uma onda pentecostal. Para Ricardo Mariano (estudioso do fenômeno religioso evangélico), essa onda se divide em três vertentes: pentecostalismo clássico, deuteropentecostalismo e neopentecostalismo (MARIANO, 1996).
Pelo pentecostalismo clássico o autor apresenta o segmento religioso da Assembléia de Deus e a Congregação Cristã no Brasil como religiões que se instalaram no país desde o início do século XX. Com práticas que se enfatizavam no “dom de línguas” e a crença na volta de Cristo (filho de Deus). A segunda onda (denominada deuteropentecostalismo) tem seu inicio no final da década de 1950 e inicio da década de 1960. O autor identifica para esse momento o surgimento das Igrejas Quadrangular, Brasil para Cristo e Deus é Amor. Essa onda caracterizava-se pela inclusão das igrejas carismáticas e pelo “dom da cura divina”.
O neopentecostalismo apresentado pelo autor como uma nova roupagem a partir da segunda metade da década de 1970 tem seu crescimento até os dias de hoje. Para a representação dessa nova caracterização das religiões evangélicas no Brasil, Mariano (1996) aponta a Igreja Universal do Reino de Deus, Igreja Internacional da Graça de Deus, Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra, dentre outras. A principal característica dessa onda é a teologia da prosperidade e a constante guerra espiritual contra o diabo.
É nesse ponto que queremos justificar a nossa ideia central. Se Nietzsche anunciou a morte de Deus, o mesmo continuou vivo pelas religiões cristãs como já observamos acima. Assim dito, esse Deus tem agora, com as religiões evangélicas neopentecostais, o seu renascimento no sentido capitalista. Deus capitalista? Isso mesmo! Se antes o merecimento por estar junto a Deus era no sentido das ações enquanto verdadeiro cristão, agora, pela doutrina da prosperidade, a recompensa é dada antes da morte – ou seja, na vida terrena. Porém esse desfrute tem um preço, isso vai depender de cada segmento religioso e do que se busca na religião.
Nessa busca de uma recompensa ou “qualidade” de vida terrena o Deus que é apresentado é também mercantil. Para alcançar êxito tem-se que pagar com moedas conforme os anseios. Em muitos casos, a fé também é capitalizada, pois ela passa a valer de acordo com o leilão pronunciado pelos lideres religiosos. Nesse sentido, quanto maior a oferta, maior a recompensa, a benção, o retorno do pedido leiloado. Deus, nessa perspectiva, passa a ser comercializado, consumido e difundido como o Deus do dinheiro, pois quem tem condição de pagar mais, mais rápido será atendido.
A expansão dos templos evangélicos neopentecostais no Brasil se faz juntamente com a expansão do espaço urbano. Em função do crescimento urbano e populacional criam-se novos templos para uma aproximação estratégica em todos os lugares da cidade. A congregação regligiosa é o lugar principal da vida das comunidades locais, é o local por onde se dá o controle da vida cotidiana das pessoas, lugar de convívio e intimidade dos fiéis ali estabelecidos. É onde os sentimentos de pertencimento a comunidade religiosa e de coletividade são mais fortes e presentes.
Ao observarmos a paisagem urbana de qualquer cidade no Brasil é comum verificarmos a grande presença de templos religiosos cristãos. Sua localização se faz em áreas estratégicas, o que indica um processo de territorialização e de simbolização da paisagem. Estamos presenciando uma espetacularização da fé, pois é grande o número de religiões que surgem a cada dia em todo o mundo. Em particular cresce o neopentecostalismo evangélico, religiões que pregam uma vida cheia de glórias terrena. Nessa espetacularização (e enquanto instituição) essas religiões evangélicas (da onda neopentecostal) se apropriam do espaço para obter o controle territorial das cidades e propagar, leiloar um Deus capitalista. Por fim, o espetáculo da fé, em nosso entendimento seria uma espécie de tecnologia do discurso do próprio contexto atual.
Referências
NIETZSCHE, Freidrich W. A Gaia Ciência. Tradução de Marcio Pugliesi, Edson Bini e Norberto de P. Lima. São Paulo: Hemus, 1981.
MARIANO, Ricardo. Os Neopentecostais e a Teologia da Prosperidade. Novos Estudos Cebrap, n°. 44, março de 1996.
José Paulo Teixeira
Mestre em Geografia e estudioso dos territórios religiosos no espaço urbano.
Professor da Universidade Estadual de Goiás – UnU Minaçu.
jopate70@yahoo.com.br
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Ficha bibliográfica:
TEIXEIRA, José Paulo. Deus está morto ou se tornou capitalista? In: Territorial - Caderno Eletrônio de Textos, Vol. 3, n 4, 05 de janeiro de 2013. [ISSN 22380-5525]