GOIÂNIA: CAMPO LIMPO DAS FLORES, CADÊNCIA DE SEUS AMORES/ODORES E SUAS TANTAS DORES - Bento Alves Araújo Jayme Fleury Curado

01/12/2014 12:00

Praça Cívica em 1944 – Fotografia de Julieta Caiado Fleury

 

No princípio era o campo limpo das flores.

Imensa campina onde passeavam tagarelas seriemas.

Tardes eram hortênsias azuis derramas na pureza do céu.

Orquestradas no canto doído dos inhambus.

Era o chão parado de Goiás.

Eclipsado atrás da Serra Dourada

Que escondia riquezas infindas

No silêncio das alcovas e dos preconceitos...

 

Imensas dores levavam as águas escuras do Rio Vermelho...

No cansaço das pedras de Vila Boa passeava a gente elegante

Elite dos casarões fechados, senhorinhas tão castas, nas sacadas de ferro.

Passavam negros e pobres ao rumo dos becos escuros

Depois dos muros de terra, lugar de gentinha, da espúria...

 

Mas, um dia, força maior, vinda não se sabe de onde,

Sacudiu as águas do rio, fez abrir janelas e rótulas seculares,

E destronou tanta gente no arrastar das pedras, no remoer das dores,

No rumo do campo limpo das flores.

 

Parecia impossível da nudez do chão brotar nova era

 

Vicejou na campina depois da capina, brotou o Palácio verde,

Com seus poderes, suas ruas abertas, espantando jaós desprevenidas.

Novas avenidas nascidas da Praça Cívica eram raios

De um sol propiciador de novos dias, na aridez do Cerrado.

 

Praça Cívica – Centro de tudo – Coração de Goiânia

Palácio das Esmeraldas, Palácio das Campinas – Poderes

Afazeres dos homens no comando do tempo

E a estátua de Pedro a nos dizer do destino – o vento!

 

Praça Universitária – Coração do barulho – da efervescência

Da turbulência de um tempo de renovação.

Ação dos jovens do tempo a buscar melhorias

Nas fantasias e anseios loucos por uma grande transformação.

 

No desenho bonito de suas estátuas, suas árvores, sombras,

Bibliotecas e faculdades, mocidades,

Uma Goiânia pulsante e nova

Sob o barulho dos automóveis e dos skates.

 

Vila Nova dos esquecidos, dos construtores, da fubazeira

Que, depois do Botafogo, punha fogo nos bares, nos forrós,

Na alegria simples da Praça Boaventura – gente do povo

Que enfeitiçou o recanto com a oportunidade de moradia.

 

Gameleira tão imensa derramando sombras

Gente na praça a lavar carros, a prosear, a fumar,

A ver a vida passar. O mercado com suas coisas

Miudezas de um mundo de se espantar.

 

Alphaville em nome tão de fora – tão sem chão

Ligação do grego com o francês, a dizer cidade primeira (cidade de primeira?)

Separação. Exclusão. Muros altos, realeza – cidade intra-muros

Como se a comportar em seu bojo, apenas os puros.

 

Pode haver gente tão distinta, tão separada, tão amparada pelo aparato?

 

Madre Germana, para lá do fim do mundo – no cu do Judas

Onde as “ajudas” nem sempre alcançam a ferida fronteira social.

Separados, também, não pelo luxo, não pelo excesso,

Mas pela falta, o desamparo, expurgo que se esconde, na florida Goiânia.

 

Fruto de uma conquista, difícil – mas conquista!

Daquele campo limpo das flores, cujos odores não foram para todos...

 

Depois noutro ponto distante, das distâncias eternas de Goiânia

As casas feitas para o povo morar – Jardim do Cerrado

A lembrar os antigos campos das seriemas e dos inhambus

Agora se perdem na simetria angustiante das casas iguais.

 

O “graças a Deus” constante de ter um lar, supera a distância,

O isolamento e a ânsia de quem conquistou um pedaço de chão

Para descansar os pés doídos da lida de nada ter

E esperar o amanhã melhor, que nunca chega.

 

Enfim o “Minha casa/minha vida” como emblema de salvação!

 

Coisas enfim desse chão que se derrama pela campina goiana.

Do morro do além vislumbrei mesma tarde como hortênsia azul

No céu, esmaecida e derramada, enquanto Eguimar falava

Da grandeza dessa Goiânia, cidade múltipla e disforme.

 

Pensei no campo limpo das flores, com miúdas cores,

Deitadas no capim da campina.

 

Meus olhos não enxergaram mais os carros apressados da Perimetral,

Mas, como por encanto,

Viram seriemas fofoqueiras, jaós cantantes, urubus no céu,

Curicacas estridentes e muitas juritis descendo o morro do além.

 

Vi mundo esquecido, mundo ignoto,

Guardado nos meus sonhares, nos meus penares,

Pois há sim, pelos ares de Goiânia em crescimento,

Um misto perene de poesia, alma, cotidiano e sofrimento!

 

Bento Alves Araújo Jayme Fleury Curado

bentofleury@hotmail.com