IRONIA DE NATAL E ILUSÃO DE ANO NOVO - Denis Castilho
Final de ano é sinônimo de comemorações. Afinal, é natal e a festa de ano novo. Para muitos, de fato, uma nova etapa está chegando. Alguns são aprovados no vestibular e outros renovam ou fecham contrato por um novo emprego. Há também aqueles que esperam os novos programas de TV, filmes, campeonatos desportivos, festas, viagens e assim por diante.
Para o calendário é um novo ano que se apresenta. Para os cristãos (especialmente os católicos), um período que se comemora o nascimento de Jesus. Para o mercado, uma euforia total - o décimo terceiro causa um agito nas compras e o natal acaba influenciando o aumento do consumo. Mas apesar da movimentação nas lojas e do imperativo das festas, as datas natalinas também representam memórias de dor para muitos que perderam seus entes. Para uns é alegria e euforia. Para outros, dor, sinônimo de perda e, em casos mais extremos, angústia e desolação.
Para muitos é trabalho: novos postos de emprego, papai Noel, lojas lotadas, metalúrgica que não pode parar, indústria que necessita do operador, o guia turístico que se beneficia com a renda extra e empresas que não podem fechar. Decepção para quem não fez sucesso no que desejou, para o time que não foi campeão ou para aqueles que foram deixados por seus amantes.
É tempo em que as pessoas enfeitam suas casas e as cidades se embelezam. O algodão simboliza a neve que não existe por aqui; os galhos retos das “arvorezinhas de natal” representam o pinheiro que também não existe (originalmente) pelo sertão do Brasil. Enquanto isso, o Cerrado passa por um desolamento e desprezo. Final de ano é momento de comemorações. Mas também pode ser uma ocasião em que negamos o que temos e parecemos ser o que não somos. É um momento em que afirmamos nossa maneira de aceitar tudo o que vem de fora sem crítica e postura de fazer, de fato, algo para que o mundo venha a ser melhor.
Abraçamos tudo e todos em nome de um egoísmo inconsciente e de uma bondade equivocada. Os mendigos ganham sacolas de roupas, comida quente e brinquedos. Mas o ano novo chega e uma dúvida emerge no mesmo ritmo que nosso descompromisso - quer dizer: para onde vão os famintos e desolados após o encerramento dessas festas? A pobreza é uma questão basicamente social, mas caímos no simplismo de pensar que estamos “renovando o mundo” doando comida, brinquedo ou roupa em noites de natal.
Essas ações são feitas segundo diversos fins. São mobilizadas por grandes e pequenas empresas, pela mídia, por organizações não governamentais, por instituições religiosas, entidades de caridades, por pessoas sensibilizadas, por associações etc. Em alguns casos a sensação de descontentamento é a motivadora dessas ações. Também é fácil encontrar aqueles que se intitulam piedosos e que agem com a justificativa de estar ajudando o próximo. Mas é bastante comum doações serem feiras em função do marketing e da autopromoção.
No geral, a sensação de final de ano decorre, em muitos casos, de um descontentamento e do desejo de uma vida melhor. Mas, essas ações representam uma falsa sensação (coletiva) de renovação, como defende Nildo Viana. Isso porque, segundo ele, tais ações não promovem mudanças na totalidade das relações sociais.
Os segregados precisam de acesso aos serviços básicos para que tenham dignidade de enfrentar o mundo. Eles estão nessa condição conforme as esmolas que lhes são doadas. Isso significa que nossas atitudes de final de ano são gestos que apenas minimizam as sensações de culpa dos que doam e anestesia a dor e a desilusão dos que recebem.
Oxalá se a renovação de nosso calendário também representasse uma renovação de nossas perspectivas, de nossas ações e do modo como construímos nossas realidades. As comemorações e os votos de final de ano podem ser uma ironia caso nossas atitudes simplesmente repitam o que há por ai. Superar essa condição envolve uma postura radical e crítica das coisas que nos vêm em forma de valores. Sobretudo, as ações não podem se reduzirem a uma data do ano. Essa postura não nega as comemorações - pelo contrário, festejar é sempre bom. Mas também não podemos cair na mesquinhez de pensar que a sociedade se renova com as ironias de natal e com as ilusões de ano novo.
Denis Castilho
Professor do Instituto de Estudos Socioambientais
da Universidade Federal de Goiás
deniscastilho@hotmail.com
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Texto originalmente publicado pelo Jornal Opção (28 dez. 2008) e agora também divulgado nesta edição do Territorial.