LUGARES E SUJEITOS PROIBIDOS - Edson Batista da Silva
Fonte: apublica.org (acesso em 18 fev. 2018). Adaptado pelo autor.
Logo quando mudei para Itapuranga, numa conversa inicial com os habitantes locais, fui advertido sobre lugares que continham sujeitos perigosos. Fiquei interessado no discurso social elaborado e alimentei a prosa. Me disseram:" – Olha, as casinhas é um local muito perigoso. Lá tem muita droga, prostituição e violência. " Me chamou atenção o termo "casinha", um diminutivo de “casa” que ressoava certo teor pejorativo. Do mesmo modo, a localização restritiva das drogas, prostituição e violência despertou meu interesse.
Logo percebi que o local era habitado por subempregados, tais como: cisterneiros, podadores de jardins, roçadores de pasto, boias frias, diaristas, etc.
Naquele momento me recordei de como, no discurso social, Aparecida de Goiânia tornou-se sinônimo de violência, tráfico de drogas, sobretudo nos bairros periféricos. Quando dizia às pessoas que trabalhava no setor Jardim Tiradentes elas esbugalhavam os olhos. Logo vinham as questões presentes no discurso social: “Você nunca foi assaltado lá?” “Nunca viu ninguém ser assassinado?”
Em Minaçu não foi diferente, os habitantes falavam sobre os perigos dos bairros próximos à Praia do Sol. Há poucos dias estive no Tocantins, especificamente em Colinas do Tocantins, mais uma vez o discurso do lugar que contém sujeitos perigosos foi revelado. Ao mencionar que faria um tour pela cidade, fui advertido. "Olha, cuidado com o bairro do Cacau." Denominação dada ao setor Santo Antônio.
Ao deslocar pelo local e conversar com um morador que me acompanhava, entendi que os habitantes, em sua maioria eram trabalhadores agrícolas. Mas o que aponta os discursos elaborados sobre todos estes lugares? Que a violência, o crime, o tráfico de drogas ocorre em bairros pobres.
Eles e seus habitantes são, no mínimo, perigosos, proibidos aos ditos "cidadãos de bem." Violência, crime e bandidagem parecem ser sinônimos de pobreza neste discurso estrategicamente arquitetado. Poucos de nós ouvimos: "Olha, naquele bairro reside o ex-prefeito e ex-vereadores desta cidade que roubaram a sociedade, inclusive para construir suas santuosas casas. " Ou do tipo: “Está vendo aquela casa alí, pertence a um empresário que defende o neoliberalismo, mas sempre mamou nas tetas do Estado, inclusive com obras superfaturadas." Ou também: -"Aquele bairro alí tem um grande número de sujeitos que tem carrões importados à custa do tráfico de drogas e apropriação ilícita de recursos da Receita Federal."
Nesta prosa infere-se que nosso entendimento de violência é pobre e simplista. Não se entende como violência o roubo, a apropriação ilícita de dinheiro público. Ou um sistema que gera riquezas e, contraditoriamente, milhares de pobres vivendo na mais absoluta miséria. Há uma criminalização deliberada dos pobres. Eles são perigosos porque residem em áreas pobres, ou porque reagem à sua condição social. Com isso se nega que a corrupção, a desigualdade social, a miséria, a fome gerada pela injustiça social e apropriação desenfreada da riqueza matam, atrofiam e ampliam as favelas nas pequenas e grandes cidades, conformando o “Planeta Favela”, denominação do belo livro de Mike Davis.
As favelas são lugares proibidos, porque perigosos, habitadas por criminosos, traficantes, estrupadores. Nestes lugares a face do Estado deve chegar pelo Caveirão, pelo fuzil, pois contém sujeitos perigosos. Daí o silêncio e não indignação social com a inexistência de políticas públicas para estas áreas, assim como a naturalização dos assassinatos de "Amarildos", de crianças, os pontapés e tapas na cara, no rosto de trabalhadores e nas portas de suas casas. Afinal, a ideologia dominante fez belamente seu trabalho, estes locais contém sujeitos perigosos, proibidos ao contato com os ditos "cidadãos de bem."
Edson Batista da Silva
Professor do curso de Geografia da UEG - Câmpus Itapuranga
edson_bat_silva@hotmail.com
Ficha bibliográfica:
SILVA, Edson Batista da. Lugares e sujeitos proibidos. In: Territorial - Caderno Eletrônico de Textos, vol. 8, nº. 10, 19 de março de 2018. [ISSN 22380-5525]