MEMÓRIAS TRAUMÁTICAS E LIBERTAÇÃO NO FILME VOLVER DE ALMODÓVAR - Patrícia Martins Alves do Prado

01/03/2013 12:00

 

“Toda vitima deve ser lamentada e todo sobrevivente deve ser ajudado e visto com compaixão, mas nem todos os seus comportamentos devem ser propostos com exemplo” Primo Levi

 

O presente texto discute as relações acerca da construção de uma memória traumática da personagem Raimunda no filme Volver de Pedro Almodóvar. Através da re - significação da morte do personagem Pacco, fomenta - se uma ruptura do silêncio em relação à violência vivenciada pela protagonista em sua juventude na cidade natal.

Entre os Estudiosos que nos auxiliam no desenvolvimento da reflexão encontra-se o autor Primo Levi, em sua escrita elegante fez uma discussão relevante para o trabalho em “A memória da ofensa” e “A zona cinzenta” está obra do autor trouxe um testemunho da experiência nos campos de concentração interessantíssima fonte documental para reflexão sobre o holocausto, Gagnebin (2006) no texto Verdade e Memória do passado e também Pollak em seu artigo Memória, Esquecimento, Silêncio.

Nossa inquietação refere – se a qual intenção Almodóvar teve para criar a personagem Raimunda vivida pela atriz Penélope Cruz assim o que colocamos em evidencia e problematizamos é a violência sexual e a Damnation Memória de Raimunda.

Desta forma, re-contar o passado é revivê-lo, revisitá-lo através das lembranças, no qual o tempo é a peça chave neste quebra-cabeça como coloca-nos Levi que:

[...] a recordação de um trauma, sofrido ou infligido, é também traumática, porque evocá – lá dói ou pelo menos perturba: quem foi ferido tende a cancelar a recordação para não renovar a dor; quem feriu expulsa a recordação até as camadas profundas para dela se livrar, para atenuar seu sentimento de culpa. (2004, p. 20)

Mas no caso de Raimunda este processo é inalcançável, ela vive um conflito identitário têm sua memória silenciada pela vergonha, pelo medo da rejeição dos familiares, seu trauma e rememorado a cada instante no olhar da filha.

Além da repetição do trauma e agressão do estupro vivido; também pela terceira geração de mulheres da família em casa, ambiente que deveria proporcionar proteção, cuidado, carinho.

Desta maneira, é fomentada a crise existencial que viabiliza o caos vivido por Raimunda e sua filha proporcionando uma abertura para repensar o passado.

Almodóvar em sua criação possibilita maior visibilidade à miséria humana, faz uma crítica ainda atual aos valores e crenças à sociedade sexista, patriarcal e capitalista onde a solidariedade almejada é uma miragem, encontrada de forma solida apenas nas margens sociais.

Segundo Pollak a formulação de uma memória coletiva é estimulada pelos líderes com a finalidade de exercer uma coesão social através da afetividade. Para os indivíduos que compõem a Nação ou os grupos sociais está relação gera identidade sentimento de pertencer há um lugar através da identificação com a cultura que oferece referenciais e modelos de conduta diante das experiências da vida prática, isto e, a cultura me diz como devo me comportar, como deve ser uma mulher.

Mas em casos como o de Raimunda e sua filha o que fazer? Não existia resposta, nem solidariedade, em sua cidade natal, havia espaço apenas para o preconceito uma mãe solteira tendo filho cuja paternidade é desconhecida era inaceitável, em primeira instância o enlace com Pacco e para Raimunda a salvação.

A cultura abre possibilidades múltiplas de enquadramentos, é justamente por isso que a coesão social e as hierarquias são aceitas, mais existe sempre o perigo dos novos discursos não terem a mesma coerência que permite a identificação dos adeptos do grupo social.

 A memória de Raimunda não enquadra – se, suas lembranças são inconciliáveis em relação à memória de seus familiares, o pai de Raimunda é rememorado na cidadezinha da Espanha como o bom marido e o bom pai e exceto pela prima Paula.

Que acolhe Raimunda no momento mais tenebroso de sua vida, mas há muito e sabido que “[...] de todo modo o vencedor é dono também da verdade, pode manipula – lá como lhe convier [...]” (Levi, 2004 p.11) Raimunda no começo do filme não tem sua credibilidade confirmada nem pela própria mãe.

Assim, e relevante ressaltar o processo de negociação entre a memória individual e a memória coletiva desta relação estabelece – se um reconhecimento de si e do “outro” e forja – se a experiência de conviver o que Halbwachs nomeia de base comum.

A morte de Pacco trás a tona a possibilidade de Raimunda reviver suas experiências traumáticas, enquanto busca desesperadamente esconder o corpo de Pacco assassinado, pela filha em legitima defesa durante o estupro.

 Pacco antes de morrer assevera não ser o seu pai biológico, é um momento muito tenso para Raimunda como dizer o inaudível a filha que seu avô também era seu pai.

Embora Raimunda e sua filha tivessem sido violentadas, Almodóvar subverte a lógica do discurso machista, as mulheres estão no centro das ações, mesmo estando nos meandros do sofrimento resistem tornando – se independentes no plano econômico, cultural e psicológico.

As experiências no campo de concentração na Alemanha nazista, vislumbrados nos textos mostram assim como no filme, a dificuldade e o pesadelo de não ter um interlocutor, uma esculta, isto é ter com quem partilhar os sofrimentos e a humilhação.

Neste sentido, também há a convergência da falta de interlocução, pois nem o oprimido ou o opressor podiam contar o que viu e ouviu, o ver e o falar acerca das torturas e assassinatos nos campos de concentração significava a morte. Da mesma forma para Raimunda assumir ter sido violentada pelo pai numa sociedade preconceituosa simbolizava a morte social.

Levi (2004) esclarece o silêncio dos agressores ou a busca dos Kapos e prisioneiros políticos por privilégios a qualquer preço apresentam os sentimentos de culpa que se desdobram na recriação de lembranças através de justificativas alienadas para o auto-engano.

Todavia “Quem recebe uma injustiça ou uma ofensa não tem necessidade de elaborar mentiras para se desculpar de uma culpa que não tem [...]”(p.26),os sobreviventes dos lager tiveram que conviver com a dor, a humilhação, o medo e a vergonha em assumir sua experiência diante da sociedade.

Mediante a analise de Pollak é plausível asseverar que é justamente a motivação do silêncio tanto em relação aos oprimidos quanto aos opressores, que possibilita o enquadramento de todas as vítimas dentro da mesma categoria de analise, judeu ou político, é a motivação do silêncio que diferencia – os.

Isto torna – se visível através do distanciamento temporal das experiências nos campos de concentração, apôs a II guerra mundial os estudos históricos vêm passando por consideráveis transformações paradigmáticas na interpretação da realidade social e na investigação do passado: a tão propalada crise das macro-explicações da realidade trouxe nova efervescência na discussão acerca do oficio do historiador e uma renovação epistemológica.

Houve uma abertura no mercado editorial, assim os testemunhos dos sobreviventes como é o caso do Primo Levi encontrou espaço fecundo.

Assim sendo, passado um tempo os atores sociais contam sua história, o que forja novas fontes como diários, autobiografias, cartas possibilitando uma releitura do absurdo, rompendo com a imagem oficial do passado conforme queriam os dirigentes da SS[1] difundir, algumas provas contra as atrocidades cometidas no campo de concentração foram destruídas porem sobreviveram testemunhos como os de Levi.

E o silêncio das vítimas que permite o enquadramento desta experiência, daí a importância em relembrar, rememorar os traumas, perdoar – se, gritar ao mundo sua própria história e seguir em frente.

O que fez Raimunda liberta- se, ao exumar seu passado identificou os problemas e resolvendo – os pela via do perdão às questões mal resolvidas de sua identidade tornou se livre dos estigmas. Raimunda volta a cantar!!!!!Raimunda e sua filha voltam a viver.

 

Referências bibliográficas

Gagnebin, Jeanne Marie. Verdade e Memória do passado. In:_____. Lembrar, escrever e esquecer. São Paulo: Ed.34,2006,pp.39 a 47.

LEVI, primo. “Prefácio”, “A memória da ofensa” e “ A zona cinzenta”. In:_____.Os afogados e os sobreviventes. São Paulo: Paz e Terra, 2004, pp.09 a 59.

POLLAK, Michael. In: Memória, esquecimento, silêncio. Rio de Janeiro. vol. 2  no 3, 1989. pp. 3-15

 

Patrícia Martins Alves do Prado

Graduada em História pela Universidade Estadual de Goiás

Especialização em História Cultural: Imaginários, Identidades e Narrativas pela UFG (em curso)

                                                                                                 patriciaprado31@gmail.com



[1]Schutzstaffel em português "Tropa de Proteção", abreviada como SS Construída sobre a Ideologia nazista, a SS sob o comando de Heinrich Himmler, foi responsável por muitos dos crimes contra a humanidade perpetrados pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial.

 

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Ficha bibliográfica:

PRADO, Patrícia Martins Alves do Prado. Memórias traumáticas e libertação no filme Volver de Almodóvar. In: Territorial - Caderno Eletrônico de Textos, Vol.3, n 4, 01 de março de 2013. [ISSN 22380-5525].