NÃO ANDAMOS SOZINHOS – Alberto Pucheu
Quando eu piso andando sobre a terra,
não é apenas o meu rastro que fica
marcado, mas o encontro do meu pé
com o movimento que a terra realiza
ao receber o meu pisar. Esse rastro,
que não é só meu, é rastro da terra
a se acomodar à forma do meu peso
contra o chão. Ninguém anda sozinho,
isso é certo. Andamos com a terra,
com o vento, com a chuva, com o sol,
com os bichos, com os fantasmas,
apenas não andamos sozinhos.
Não andamos sozinhos, isso é bem certo,
andamos com dois mil e novecentos mortos
nos agarrando, querendo nos levar,
andamos com duzentos e noventa mil
mortos nos agarrando, querendo nos levar,
andamos com dois milhões e novecentos mil
mortos nos agarrando, querendo nos levar,
andamos com todos esses mortos, mais
ou menos próximos, com seus corpos
ainda quentes querendo nos levar. Somos
nós os rastros e os fantasmas desses mortos,
cujos corpos, insistentemente, teimam
em nos pisar, em fazer, de nossos corpos,
a terra em que, escavando, querem se sepultar.
Alberto Pucheu
Escritor de poemas e ensaios.