NÃO ANDAMOS SOZINHOS – Alberto Pucheu

22/03/2021 21:09

 

Quando eu piso andando sobre a terra,

não é apenas o meu rastro que fica

marcado, mas o encontro do meu pé

com o movimento que a terra realiza

ao receber o meu pisar. Esse rastro,

que não é só meu, é rastro da terra

a se acomodar à forma do meu peso

contra o chão. Ninguém anda sozinho,

isso é certo. Andamos com a terra,

com o vento, com a chuva, com o sol,

com os bichos, com os fantasmas,

apenas não andamos sozinhos.

 

Não andamos sozinhos, isso é bem certo,

andamos com dois mil e novecentos mortos

nos agarrando, querendo nos levar,

andamos com duzentos e noventa mil

mortos nos agarrando, querendo nos levar,

andamos com dois milhões e novecentos mil

mortos nos agarrando, querendo nos levar,

andamos com todos esses mortos, mais

ou menos próximos, com seus corpos

ainda quentes querendo nos levar. Somos

nós os rastros e os fantasmas desses mortos,

cujos corpos, insistentemente, teimam

em nos pisar, em fazer, de nossos corpos,

a terra em que, escavando, querem se sepultar.

 

                                                               Alberto Pucheu

Escritor de poemas e ensaios.