O ATO DE LER: RÁPIDO OU VAGAR? – Eguimar Felício Chaveiro
Outro dia, num bate papo leve e descontraído, um professor, inspirado na criação de seu grupo de estudo, perguntou-me como deve ser a leitura: rápida, vagar...? Com meus alunos da disciplina “Produção de texto”, coincidindo com a pergunta, estávamos problematizando elementos condizentes e concernentes à elaboração de um projeto de leitura. Este que, aliás, demanda mais que apenas leitura - sugere-se perguntar: o que se lê? como ler? como assimilar a leitura? quem é o sujeito que lê? a leitura está servindo para quais propósitos?
E mais: qual é o ritmo e o tempo de leitura? Como a interlocução da leitura pode e deve ser feita? E talvez mais importante: quais são os destinos da leitura - são feitas para forjar uma erudição ao modo do individualismo possessivo, interpretado por Harvey? Ou instaura-se no pleito da inscrição do narcisismo intelectual com o intento de gerar no outro a representação de um douto leitor?
Certamente há leituras funcionais, propedêuticas, livres, de lazer, narcísicas, obrigatórias, para salvar a ansiedade, para cumprir um preceito de última hora etc. Tenho repetido e feito da repetição uma tática de intervenção: é possível e conveniente desenvolver uma espécie de militância textual ou, como digo, uma militância estilística. Isso pode ser justificado: o trato fundo com o mundo da palavra ajuda a compor a relação de nosso olho com a luz. Ler é um modo de clarear os caminhos, ou, pelo menos, uma tentativa de fazer isso de maneira autônoma e relativamente livre.
Essa premissa – a leitura como composição de liberdade de um sujeito e da sua relação com os eventos da vida – induz a outra compreensão: o que está em jogo é a importância de colocar as ideias no centro do discurso e, a partir dele, arrastar o tempo, fazer peças e peripécias, brincar com a aventura imaginativa do pensamento, fazê-lo engajar nas coisas. Ler é parte também desse veredito: a existência é constituída no engajamento.
Retornemos à pergunta: qual deve ser o ritmo de leitura, seja de um grupo de estudo ou de um projeto individual? O fato é que não há uma modalidade temporal para leitura: rápida, lenta, apressada, compassada. Além do que, teoricamente, não existe, a priori, o texto bom ou ruim para um leitor e outro. Nesse sentido, é necessário considerar um pressuposto: toda a nossa vida intelectual e, de certa maneira, a vida prosaica, funda-se nas maneiras de leitura de cada época porque somos sujeitos do tempo, diferenciados no espaço.
Talvez mais: os sentidos e as significações do texto tomados como relações de forças dependem do lugar social do sujeito que lê, também dos que apresentam os textos – e de seus autores. Ou seja: no processo de leitura de uma obra clássica, de uma crônica de costume, de uma bula de remédio ou de um conto marginal, a determinação do contexto palpita inclusive no que se fará, posteriormente, com a leitura.
O contexto participa de maneira singular também: quem lê o faz fundado numa ação subjetiva. Por isso os seus problemas externos, as suas motivações de vida, os seus anseios, as suas paranoias ou qualquer outro dispositivo mental, age no tato com o texto. Os componentes extralinguísticos são estatutos sociais, agem nos olhos do leitor e no desenho das letras, formando quadros de forças. Por isso, ler é mais que uma ação cognitiva de aprendizagem, é um modo de constituir o sujeito e de o sujeito se constituir. E de colocá-lo em contato com o seu mundo circundante e com a sua subjetividade.
Tenho defendido que o leitor precisa experimentar vários tipos de textos para não ser comandado pelo seu campo. Talvez seja o caso de experimentar, junto, várias modalidades de leitura e vários tempos de leitura. Assim a resposta: há textos cuja leitura deve ser lenta, repetida, pegajosa; a outros, por exemplo, como o regimento da repartição que podem ser lidos com maior pressa.
Penso também: no ato de ler, de produzir a experiência de leitura e de conduzir-se como leitor, o sujeito deve abrir-se ao retoque do estilo, da forma, inclusive dos sentidos. O leitor deve ler criticando a sua forma de fazer a leitura, sabendo-se que o texto é uma placenta infinita aberta à sua ação. Ou seja, os olhos do leitor interferem no texto como uma espécie de coautor. Daí poder sintetizar: ler é relacionar, mediar, acessar objetos do mundo, eventos da vida.
Eguimar Felício Chaveiro
Professor Associado do IESA/UFG
Membro da Academia Trindadense de Letras
eguimar@hotmail.com