O “DIA D” DO LITÍGIO TERRITORIAL GO, BA, TO, PI E MG: 13 DE NOVEMBRO DE 2012 - Valney Dias Rigonato
O território brasileiro é grande e vasto. Há em suas entranhas diversos limites, populações e recursos naturais e econômicos os quais são ainda desconhecidos pela maioria da população brasileira. Recentemente, circula na mídia dos estados de Goiás, Bahia, Tocantins, Piauí e Minas Gerais, a notícia de que serão redefinidos os seus limites territoriais.
Diante da notícia, há diversos questionamentos: Quais são os interesses dos estados brasileiros em redefinir as suas fronteiras internas? Ou, realmente o avanço tecnológico, o uso de imagens de satélite, do sensoriamento remoto e, principalmente, do geoprocessamento, nos revela outra realidade desses limites? Seria o caso de redefinir todos os outros limites territoriais no território brasileiro? Seria o oportunismo dos estados interessados, ou a veracidade técnico-científica que coloca os limites territoriais de outrora em cheque?
Vamos aos fatos históricos e geográficos. Cabe salientar para os leitores (a população da fronteira em tensão) que algumas dessas disputas são antigas. No caso específico – Oeste da Bahia – retoma ao período colonial entre os limites indefinidos entre as capitanias de Pernambuco, Maranhão e São Paulo. Essa última foi dividida e formou a capitania de Goyaz, a qual teve seus limites definidos em 02 de agosto 1748 pela Provisão Régia, segundo Teixeira Neto (2004). Mas foi em 1920, na Conferência dos Limites, que eles foram acordados e definidos. Mas, hora e outra a indigestão aparece novamente nos tribunais, entre os governantes desses estados.
O interessante é que outrora já ocorreram outros litígios nessa área territorial devido aos interesses econômicos vigentes. Conforme relata o geógrafo e cartografo Teixeira Neto (2004), em fins do século XIX e no começo do século XX, o interesse era a extração do leite da maniçoba (a popular mangaba) para fabricação de borracha, em alta demanda no mercado internacional. Com a crise deste produto no mercado internacional, na referida conferência dos limites, os dois estados – Bahia e Goiás – assinaram um acordo divortio aquarium (divisor de águas) da Serra Geral, que seria o limite entre os estados. Além disso, cabe salientar que foi neste período que colocou o fim de uma querela sobre o Jalapão, outrora requisitado pelo Estado do Maranhão.
Cabe informar também que, a partir dos anos 1980, diante da aceleração do processo de especulação fundiária nesta região, os governos de Goiás e Bahia expediram títulos de terras imprecisos de acordo com a jurisprudência dos respectivos estados. Novamente, institui-se uma comissão mista para rever os limites interestaduais. Esta definiu que os pontos de maior altitude, a partir de fotografias aéreas e folhas das cartas topográficas na escala de 1:100 000, seriam os limites acordados entre os governadores da época. No entanto, este acordo não passou do plano das intensões, pois tais conflitos continuaram e se intensificaram, sobretudo, diante da criação do Estado do Tocantins (1988- 1989).
Como se sabe, o ciclo da borracha encerrou-se e hoje quase não se encontra mangaba nesses Cerrados. Segundo o Ministério do Meio Ambiente (MMA, 2012) o desmatamento das áreas dos Cerrados brasileiros entre 2002 a 2008, correspondeu a uma área de 85.074km2. Dentre os municípios que se encontram nessa área de litígio, situam-se aqueles com os maiores índices de desmatamento, tais como ocorre em Formosa do Rio Preto, São Desidério, Correntina, Barreiras, Riachão das Neves entre outros.
Agora, neste episódio, enquanto os governos de Goiás e Tocantins solicitaram um relatório técnico do Serviço Cartográfico do Exército, o governo da Bahia solicitou uma reunião com a AIBA (Associação dos Agricultores Irrigantes da Bahia) para muní-los de informações técnicas neste debate. Mas, na verdade, a questão da disputa é saber onde passa o divisor d´águas na Serra Geral, uma vez que no passado (1919) este critério já ficara definido como sendo o divortio aquarium, mas, no entanto, a decisão final dependerá da avaliação do Supremo Tribunal Federal.
No entanto, a lógica da disputa pela tutela dessa porção territorial parece estar ligada muito mais com a receita produzida pela fronteira agrícola e, mormente, pelo agronegócio, do que pela gestão política e social desta região. É preciso preocupar-se com os direcionamentos do agronegócio, com a internacionalização das terras brasileiras, com o processo de crescimento urbano e desordenado, com os altos índices de violência, com a falta de incentivo à agricultura familiar e, principalmente, com as baixas taxas de equidade social.
Tais fatos são notáveis no cartograma a seguir, por meio dos baixos IDH dos municípios limítrofes. Observe os índices na área circulada abaixo:
Fonte: Atlas Desenvolvimento Humano, PNUD, 2003.
Elaboração: Rigonato, 2012
Essa porção é palco das principais ebulições do agronegócio brasileiro e, infelizmente, os municípios em questão, amargam as maiores desigualdades sociais e falta de infraestrutura básica para sua população.
Em síntese, tomara que no dia 13 de novembro de 2012 seja discutido e definido não apenas a tutela administrativa destas terras: diante do fim deste litígio, aguardamos a emergência de uma gestão pública estatal que procure envolver todos os sujeitos, empresas e instituições em ações que promovam a equidade social, eliminando assim, as desigualdades econômicas, o autoritarismo, os altos índices de escravização do trabalho (ver mais informações no Atlas do Trabalho Escravo no Brasil) e, principalmente, os impactos ambientais ocasionados pela expansão da fronteira agrícola – elementos recorrentes em áreas de legislação estatal indeterminada.
Por fim, espera-se que o oportunismo seja sepultado em prol de políticas estatais que realmente promovam o desenvolvimento social nessas áreas de litígio; que a população tenha acesso à informação/conhecimento e não fique amordaçada pelas linhas imaginárias que distinguem os estados brasileiros, pois a fronteira, para além de simbolizar separação, pode também ser concebida enquanto espaço de união.
Referências
Atlas do Desenvolvimento Humano. https://www.pnud.org.br/IDH/Atlas2003.aspx?indiceAccordion=1&li=li_Atlas2003. Acesso: 30/10/2012.
BRASIL. MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Acesso: 30, outubro de 2012.
TEIXEIRA NETO, Antônio. Evolução Histórica e Geográfica das Fronteiras do Estado de Goiás. In: GOMES, H.;TEIXEIRA NETO, A. O espaço Goiano: abordagens geográficas. Goiânia. Associação dos Geógrafos Brasileiros - AGB, 2004.
THÉRY, Hervé; MELLO, A. M de; GIRARDI, E. P. Atlas do Trabalho Escravo do Brasil. São Paulo: Amigos da Terra. Amazônia Brasileiras, 2012. 80p. ISBN 978-85-86928-09-3
Valney Dias Rigonato
Licenciado e Mestre em Geografia pela Universidade Federal de Goiás.
Professor do Instituto de Ciências Ambientais e Desenvolvimento Sustentável da Universidade Federal da Bahia, Campus Barreiras, BA.
E-mail: rigonatogeo@gmail.com ou valney.rigonato@ufba.br
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Ficha bibliográfica:
RIGONATO, Valney Dias. O “dia D” do litígio territorial GO, BA, TO, PI e MG: 13 de novembro de 2012. In: Territorial - Caderno Eletrônio de Textos, Vol. 3, n 4, 15 de janeiro de 2013. [ISSN 22380-5525]