TRÊS EM UM - Eguimar Felício Chaveiro
O VENDEDOR DE BANANA
Antes de lhe agradecer pela companhia neste tempo do mundo - e emendar o dito com a Benedita, devo lhe dizer: eu voltei a ser vendedor de banana, em Trindade. Carrego uma razoável bacia de alumínio na cabeça margeando as calçadas das ruas. Bato a porta com slogan pronto: “A senhora quer comprar banana?”
As donas de casas estão mais apressadas comparando as da minha adolescência; elas estão mais ligadas também aos programas de TV matutinos. Enquanto as da minha adolescência tinham uma sensualidade simples, por isso a banana era uma metáfora de um sonho - daí compreenderem a banana pela saia - essas de agora não gostam de banana. E tem, com a sua razão, raiva do vendedor. Embora, amem comprar, comprar, comprar...Comprar.
Houve uma que, quando lhe mostrei a qualidade da banana que vendia, veio com um envelope me mostrando contas a pagar. Em tom bradante, disse que gosta das grandes redes de supermercado e que teme os vendedores de rua, como eu. Houve outra que me olhou apenas com a porta semi-aberta, protegida de um Pitiburro. Tive medo do semblante dela e do Pitiburro. Talvez o mesmo medo que ela tinha de mim.
Mas nem tudo está perdido: uma senhora, já velhinha mas terna, andou vagar para o meu lado. Me chamou "meu fiim", disse que não havia dinheiro mas me deu água, café e um baita sorriso. Vou lhes contar. Disse a ela que estava experimentando a mim mesmo, o que fui e o que sou, o que sonho e não deixo nunca de ser, a minha realidade e a minha transcendência. Disse-lhe que vendo banana simbólica, registro de meu enraizamento e logro da minha identidade... Ah, ela riu porque a bacia de banana caiu de minha cabeça. O meu mundo é assim: das bananas.
VOCAÇÃO PARA UMIDADE
Algo interessante no processo de escrita é o que chamo de "exercício de retorno". Porque escrevemos, somos obrigados a ver, perceber e sentir melhor. E ao sentir mais profundamente, dá vontade de escrever.
Eis ai o retorno. A ligação do olho com a caneta tem uma base, um foco e um objetivo: clarear o mundo. E ele (o mundo) se nos aparece retalhado, cortado, possível à experiência e ao pensamento. À experiência dispomos do dote do corpo. É o campo vibrátil. Ao pensamento, há a possibilidade da totalidade, da conexão, da imaginação. O corpo adere - o pensamento inventa. A ligação do pensamento com a experiência pode-se chamar "vivência em compreensão". Ou compreensão da vivência, a verdadeira causa e razão da sabedoria. E tudo é aberto, incompleto e em contínuo processo. E porque há o movimento, há o possível – reino da criação. Como uma lua grávida no centro do véu celestial, em estado de desejo, as palavras nascem com suas danças misteriosas. Ou como a grafia do céu na terra com a sua caneta líquida, que chamamos chuva, escreve-se para fecundar. Tenho profunda vocação para a umidade.
EU MESMO NA INCOMPREENSÃO
Tive enfrentando fortes dores. Gostei muito da experiência, depois de ter, pelo menos por enquanto, vencido a batalha. A dor faz descobrir a relação entre o corpo e as nossas trajetórias; mostra também a fragilidade da consciência descolada da carne como gera um sufoco na razão que não é capaz de governar a casa que lhe sustenta: a carne.
Ademais, o corpo dorido cria uma memória atávica, talvez procurando sentido na infância - e nos induz a fazer aquela perguntinha básica: o que estou fazendo comigo? Ou: o que estou aceitando que façam comigo? Depois vem a síntese: por onde andei sempre fui acompanhado por um sósia em escapatória, que é eu mesmo na incompreensão.
Vou ser sincero: durante o período dorido não cantei a minha prima, nem a vizinha. Fiquei mais silente e indagativo. Fiz o exercício de adentramento, tão importante quando se quer - como é o meu caso - botar na batalha da vida uma bandeira estilística e simbólica; fazer dos símbolos o caminho para a procura da vida. Desatar os nós da ilusão e afirmá-la literariamente.
Fiz acupuntura, quiropraxia, banho prolongado em águas quentes, contorcionismo mental e ginástica por correspondência. Estou revigoradíssimo, o que quer dizer que logo irei cantei a minha prima - e a vizinha.
Eguimar Felício Chaveiro
Professor Associado do IESA/UFG
Membro da Academia Trindadense de Letras