ONDE FICA A EDUCAÇÃO DO CAMPO NO ENSINO MÉDIO AO ALCANCE DE TODOS? - Edson Batista da Silva

21/07/2020 14:11

Fonte: Divulgação.

 

Nesse momento há um aprofundamento de políticas neoliberais no Brasil e em Goiás, o que significa a eliminação de direitos coletivos arduamente conquistados. No estado de Goiás o projeto de lei que institui o “Ensino Médio ao Alcance de Todos”, aprovado em segunda votação na Assembleia Legislativa do estado de Goiás-ALEGO, encaminhado para sanção do governador propõe o ensino com uso de recursos tecnológicos para atender escolas situadas em distritos, regiões de difícil acesso e aquelas que possui déficit de professores em áreas específicas.

A sua execução dar-se-á por meio de ferramentas tecnológicas, com salas de aulas interativas instaladas nas comunidades, em que professores habilitados em estúdio transmitirão aulas via satélite, que serão assistidas em tempo real pelos estudantes. Portanto, será desenvolvida via plataformas de telecomunicação. Consta também no projeto de lei a existência de um professor mediador, responsável pela comunicação e interação entre os participantes via chat (professores habilitados, estudantes). Essa legislação cria cargos, funções comissionadas e terá um custo estimado de R$ 676.264, 98 no ano de 2022.

Para votação na ALEGO, contou com aprovação do Conselho Estadual de Educação-CEE e constitucionalidade conferida pelo artigo 156 da constituição do estado de Goiás. A despeito do rechaço da sociedade goiana, em consulta ao site da ALEGO, em 23 de junho de 2020, 75% dos participantes eram contrários ao projeto, 25% a favor. Mesmo assim não foi submetida a audiências públicas e recebeu voto contrário dos deputados: Humberto Teófilo, Adriana Accorsi, Major Araújo, Coronel Adailton e Lêda Borges. Os deputados citados alegaram que o projeto de lei é ilegal, contraria dispositivos constitucionais.

Eles recorreram ao artigo 206, inciso I, da Constituição Federal, associado a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (nº 9.394), ao Estatuto da Criança e do Adolescente, ao artigo 156 da constituição estadual. Também alegaram o ferimento do direito de tratamento isonômico entre os estudantes, a falta de qualificação dos professores para o trabalho com ensino mediado por tecnologias, as disparidades de acesso dos estudantes a tecnologias informacionais.

Do mesmo modo, questionaram se as instituições educacionais conseguem executar 100% da carga horária a distância. Mas não compareceu nos seus argumentos o desrespeito a outros regramentos legais, como a Lei 18.320, que institui a política estadual de educação do campo, a Lei 18.969, que cria o Plano Estadual de Educação, a Resolução nº 5, de junho de 2011, do CEE.  Nessas normatizações o estado de Goiás, na instalação e manutenção de escolas no campo, o que envolve escolas de distritos e regiões de difícil acesso, deve atentar-se para provimento de professores com habilitação especifica para tais unidades escolares. Adiciona-se a formulação de projetos político pedagógicos específicos, conteúdos e metodologias condizentes as demandas das populações do campo.

Portanto, cabe ao estado oferecer condições materiais e humanas de funcionamento da educação no/do campo. O projeto de lei do “Ensino Médio ao Alcance de Todos” ignora a educação no/do campo, institucionaliza a subalternidade. Esse projeto de educação proposto às populações do campo destrói seus projetos de vida. Claro, posições contrárias ao projeto serão contestadas, por exemplo, com argumentos addis homini ou preleções simplistas. Ataques serão direcionados aos sujeitos e grupos de oposição, com definição de suas exposições como “mimimi”, contraditoriamente emanado daqueles que possuem argumentos rasos.

Outro posicionamento usual nessas situações é inverter a realidade. A educação mediada pelas plataformas digitais reduz custos, realiza-se de forma qualitativa. Os professores habilitados são capacitados, diferente dos profissionais incompetentes do ensino presencial, dispendiosos e inábeis ao trabalho. Essas ilações, realizadas sem dados comprobatórios, são desprovidas de índices de evasão, de conclusão, de inserção no mercado de trabalho dos estudantes egressos do Ensino a Distância. Quando questionados, os defensores dessas propostas recorrem as experiências individuais, complicadas para realização de avaliações generalistas.

Tampouco são apresentados dados que mensuram a aprovação em exames nacionais. Ao fim e ao cabo é um conjunto de palavras desconectadas da vida do povo trabalhador do campo e da cidade. A redução dos custos, do mesmo modo, é apresentada sem dados, não há exposição de quanto será dispendido com a contração das empresas capitalistas que ofertam as ditas plataformas digitais. Os ideólogos do neoliberalismo, também, quase sempre, aproveitam essas situações para reforçar os falsos inimigos do povo, tendo em vista capturar o próprio povo para seu projeto de sociedade.

A culpa é do professor, do funcionário público, adjetivados pejorativamente de “incompetentes, desqualificados, aspones, parasitas.” Contraditoriamente, nenhuma linha é dita sobre o dispêndio do orçamento da união com juros e amortizações da dívida, com a negação dos representantes eleitos de uma auditoria das dívidas dos estados e da união. Do mesmo modo, o silêncio é absoluto quanto a negação do pagamento do piso nacional de professores por estados e municípios. Ser professor é um sacerdócio, um dom, não é uma profissão, mediada por conhecimentos específicos, didático-pedagógicos, psicossociais.

O horizonte dos ideólogos neoliberais é aprofundar a existência de dois mundos, o dos precarizados e o dos plutocratas, ou seja, o mundo do trabalho deve ser destituído de direitos. As dores, o gemido do povo pobre, negro, camponês, proletário pouco importa, são tratados como custos, como fardos ao Estado. O que vale é a caneta, o famigerado ajuste fiscal. “No saco” do orçamento público não há fundo para o pobre, enquanto para os agentes parasitários do capital financeiro sempre é possível mais um socorro. O que significa dizer que para os precarizados o Estado é mínimo.

Os ideólogos neoliberais também são defensores do fim da história, negam até que o sistema capitalista tem diferentes formas e modos de realização, alguns próprios da barbárie. Mas o povo não tem compromisso com discursos, falácias ideológicas neoliberais. A régua de medida do ideólogo neoliberal, estruturada no ajuste fiscal, na democracia representativa é contrariada pelo homem de carne e osso, preocupado com a qualidade da educação dos seus filhos(as). Por isso historicamente ocuparam secretarias municipais de educação, secretarias estaduais, dentre outras autarquias do Estado, marcharam, manifestaram, gritaram e bradaram aos quatros ventos que não era essa a educação que queriam.

Construíram o seu projeto de educação, conquistaram leis, regramentos jurídicos, políticas públicas. Não será agora que obedecerão aos supostos caminhos “corretos” de mudança das suas condições de existência ditadas por discursos neoliberais. A Educação a Distância-EAD engendra a venda de produtos, a compra de pacotes de empresas de telecomunicações, preconiza como solução dos problemas educacionais receituários mercadológicos. Também negligencia as relações interpessoais, a aula como encontro de sujeitos que aprendem coletivamente. O professor, com sua visão sintética do conhecimento, os educandos com uma visão sincrética se encontram na sala de aula e por meio da linguagem, da fala, dos gestos, das expressões, dos sons, do contato constroem o conhecimento.

Portanto, a EAD desconsidera a educação como processo, despersonaliza o ensino, ignora o tempo de atenção de crianças e adolescentes a tela de computadores. Adiciona-se a destruição da privacidade de estudantes e professores, a instituição de bolhas individualistas, a adesão a meritocracia, expressão do protofascismo. Associado a isso se estrutura na pedagogia tradicional, precariza o trabalho docente, em que professores/tutores orientam até trezentos alunos e possui elevados índices de abandono. Segundo Bittencourt & Oliveira (2020), utilizando resultados da pesquisa do Boletim informativo dos Resultados com Estudantes do Sistema Universidade Aberta do Brasil, 63% dos estudantes dos cursos em EAD ouvidos possui problemas com a abordagem do tutor.

O Jornal Folha de São Paulo, de 27 de junho de 2017, mencionou que o último Censo da Associação Brasileira de Ensino a Distância, realizado em 2015, apontou que cursos ofertados totalmente on-line tiveram evasão de até 50%, nos semipresenciais esses valores foram de 25%. Portanto, a educação no Brasil, seja no campo, seja na cidade obterá resultados positivos quando for tratada como política de Estado, não como custo e encargo indesejado.

 

Referências

CONSELHO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO. Resolução CEE n.º 5, de junho de 2011. Goiânia: SEDUC, 2020. 41 p. Acesso em: www.seduc.go.gov.br/imprensa/odcumentos . Acesso em: 15 de jun. de 2020.

ESTADO DE GOIÁS. Lei n. º 18.320, de 30 de dezembro de 2013. Goiânia: CPISP, 2013. Disponível em: https://cpisp.org.br. Acesso em: 05 de jun. de 2020.

OLIVEIRA, Walter Pinto de; BITTENCOURT, Wanderley José Mantovani. A evasão na EaD: Uma análise sobre os dados e relatórios, ano base 2017, apresentados pelo Inep, UAB e Abed. Educação Pública, v. 20, nº 3, 21 de janeiro de 2020. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br. Acesso em: 23 de jun de 2020.

OLIVEIRA, Denilson. Taxa de Evasão em Cursos On-line chega a 50% e desafia Instituições. Folha de São Paulo, São Paulo, 27 de jun. de 2017, educação. Disponivel em: https://www1.folha.uol.com.br. Acesso em: 23 de junh de 2020.

SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO. Plano Estadual de Educação de Goiás (2015-2025) - Lei nº 18.969, de 22 de julho de 2015. Goiânia: SEDUCE, 2020. 142 p. Acesso em: https://www.site.seduce.go.gov.br . Acesso em: 10 de ma. de 2020.

ESTADO DE GOIÁS. Projeto de Lei do Programa GOIÁS TEC - Ensino Médio ao Alcance de Todos. Goiânia: ALEGO, 2020. 32 p. Disponível em: https://opine.al.go.leg.br. Acesso: 23 de jun. de 2020.

Fonte da Imagem: 

 

Edson Batista da Silva
Professor do curso de Geografia da UEG - Câmpus Nordeste
edson_bat_silva@hotmail.com


 

Ficha bibliográfica:

SILVA, Edson Batista da. Onde fica a Educação do Campo no Ensino Médio ao alcance de todos? In: Territorial - Caderno Eletrônico de Textos, vol. 10, nº. 12, 21 de julho de 2020. [ISSN 22380-5525]