PARA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DAS FLORES DO CERRADO - Júlio César Pereira Borges
Na atualidade, é grande o número de pesquisas remetidas ao Cerrado transformando-o em um dos grandes locus da curiosidade científica brasileira e internacional. Nesse bojo, a Geografia, mais precisamente a Geografia produzida em Goiás, ao acompanhar sua pluralidade, tem lhe empregado variadas leituras.
Pela via dessa ciência, já se sabe das condições naturais do Cerrado. Lugar de rica biodiversidade, berço das águas, extensos chapadões, clima bem definido. Já se sabe também da lógica da expansão capitalista, do papel estratégico do Estado - que é ideológico e de representação de classe -, no direcionamento do capital no centro do território Brasileiro.
Sabe-se, também, que na apropriação do Cerrado pelo capital há acertos políticos entre órgãos locais, nacionais e internacionais, assim como entre empresas, empreendedores e proprietários que vão se beneficiar de suas estratégias. Sabe-se, ainda, que cada atividade produtiva ou processo que gera renda mediante o uso do seu território, incide sobre o trabalho.
Portanto, já se tem total certeza que o processo de geração de uma alta rentabilidade, pode criar grandes contradições sociais e regionais. Há também consciência que, além do trabalho – ou junto a ele - gostos, costumes, formas de morar, estilo de lazer e condutas como hábitos alimentares, relação afetiva, princípios morais - participam das transformações na adequação forçada ao novo.
A Geografia também identificou que há uma ação organizada dos povos do Cerrado na resistência ao abuso da rentabilidade acumulada do capital. Levantou, analisou e compreendeu o modus vivendis das comunidades tradicionais, ao estabelecer uma estreita intimidade com seus saberes, seus afazeres e sua ligação com o Cerrado. Atentou, ainda, que há grande interesse de corporações na apropriação de seus saberes. A Geografia sabe que o Cerrado é um território em disputa.
No entanto, Barreira e Chaveiro (2010. P. 15) afirmam que tais leituras ocorrem isoladamente e, por isso, não revelam o Cerrado na sua íntegra. São pesquisas que ora o trata como bioma, domínio morfoclimático, sistema biogeográfio e ecossistema, ora como região, patrimônio cultural, fronteira ou território.
Este fato os levou a propor o estudo do Cerrado, via Bioma-Território, que implicaria na valorização de suas características naturais -via Bioma- e na valorização dos aspectos econômico e cultural – via território. Perfaz-se, assim, uma leitura integrada.
Diante da posição dos pesquisadores, algumas indagações foram suscitadas, tais como: a leitura plural e fragmentada do Cerrado não seria o resultado da Geografia brasileira na atualidade que alguns geógrafos, como Ruy Moreira, acusa de plural e fragmentária? Em que implica a leitura geográfica de Goiás pela via do Cerrado enquanto bioma-território? Há uma Geografia integrada em Goiás que possa, ou tenha interesse em fazer uma leitura integrada do Cerrado?
No bojo dessa discussão, pesquisas geográficas têm revelado que, no Brasil, a região do Cerrado está entre as mais desenvolvidas economicamente. No entanto, e devido a esse desenvolvimento, o Cerrado consiste em um hotspot. Revelaram, também, que o índice de urbanização do Cerrado está intensificado com destaque ao eixo Anápolis-Goiânia-Brasilia. No entanto, denota-se o aumento da violência, da pobreza e da segregação urbana.
Diante de tal condição, levantam-se outras questões sobre a produção do conhecimento geográfico do Cerrado. A primeira refere-se à mercantilização desse conhecimento, o qual favorece a expansão capitalista e ignora a ação destruidora desta.
A segunda condiz com a baixa aplicabilidade do conhecimento geográfico do Cerrado na resolução dos problemas inerentes a sua organização espacial. Tais situações suscitam outros questionamentos, como: o conhecimento geográfico do Cerrado, embora denso, não tem se limitado a diagnosticá-lo? O saber geográfico produzido em Goiás sobre o Cerrado tem efeito interventivo na sua gestão? Quais as perspectivas da análise geográfica do Cerrado que se apresentam no horizonte de pesquisas? E para não dizer que não falei das flores do Cerrado. São sélvicas, marcélicas e lorrânicas.
Referência
BARREIRA. Celene C.M.A. CHAVEIRO, Eguimar Felício. Cartografia de um Pensamento de Cerrado. In: PELÁ, Marcia; CASTILHO, Denis. CERRADOS: perspectivas e olhares. Goiânia: Vieira, 2010.
Júlio César Pereira Borges
Professor do curso de Geografia da Universidade Estadual de Goiás e doutorando pelo
Instituto de Estudos Socioambientais da Universidade Federal de Goiás