RORAIMA E A INTEGRAÇÃO DA AMAZÔNIA SETENTRIONAL: CONTEXTO, PERSPECTIVAS E DESAFIOS DE UM ESTADO COM IDENTIDADE E PAPEL REGIONAL EM CONSOLIDAÇÃO - Ismar Borges de Lima

01/09/2012 12:00

 

O Estado de Roraima talvez seja a região que menos figura no noticiário do país exceto por eventuais pelas questões etnorraciais e territoriais indígenas – especificamente as dos Ianomâmis e das etnias da Reserva Raposa Serra do Sol, e, também, muito se fala de Roraima quando há documentários sobre a Amazônia setentrional, particularmente sobre o Monte Roraima. Desmatamento e queimadas também já fizeram o Estado figurar nos noticiários nacionais. Assim, esse Estado tem ficado às margens do epicentro do mundo político de Brasília e de tudo que seja essencialmente cosmopolita do sul e sudeste, mas nem por isso conota-se um lugar de atraso; na verdade, o que se testemunha é uma região promissora de singular característica, começando pela charmosa e pitoresca capital beira-rio, Boa Vista. Roraima impressiona por ter um relativo desenvolvimento urbano; impressiona por causa de suas paisagens, ecossistemas, e por ser um Estado ainda em criação, em formação; um lugar inacabado de grandes promessas. O nome Roraima tem origem indígena, “Roro-imã”, com interpretações distintas, o que denota a riqueza lingüística existente na região. Na língua Macuxi, ‘Roraima’ significa ‘Monte Verde’ e para os índios Taurepang, ‘Mãe dos Ventos’. Para quem gosta de extremos, curiosidades e de excentricidades vai gostar de ler este ensaio.

O Guia Roraima (2009) descreve o Estado como a “síntese da diversidade humana e ambiental da Amazônia”, um lugar que ocupa três diferentes ecossistemas: as florestas, as savanas (cerrado amazônico), e as pradarias, um lugar rico em recursos hídricos, em fauna e flora, “um lugar em construção entre a região Amazônica e o Caribe Venezuelano e as Guianas, um corredor entre dois mundos” (p.6-7), cujo acesso foi facilitado com a abertura da BR-174, nos anos 70, e da BR-401.

O Estado de Roraima pertence à região amazônica, mas sua vegetação não é composta unicamente de florestas densas. Em Roraima há dois grandes tipos de vegetação: a floresta e a savana (ou lavrado). De acordo com o Manual de Classificação de Vegetação Brasileira do IBGE-1992, Roraima possui um macroambiente não-florestal (savana), encontra-se subdividido em savana gramíneo-lenhosa (“Campo Limpo” e “Campo Sujo”) e a savana parque. Ainda existem as manchas de savanas arborizadas, conhecidas como caimbezais, e estão presentes no entorno (bordas) dos sistemas florestais. O ambiente florestal está subdividido em Ilhas de Mata (distribuídas de forma isolada), Veredas de Buritizais (matas de galeria agregadas aos principais cursos de água da localidade) e a Mata de Serra. No sul e no norte de Roraima, predominam as matas e florestas, enquanto na região nordeste do Estado há prevalência dos lavrados, a savana amazônica. As serras são um dos elementos geomorfológicos presentes na paisagem natural da região, apesar de que boa parte do Estado é formada de planícies; o lugar é muito plano.

Roraima impressiona pelas oportunidades explícitas e latentes, pelas perspectivas e pelos desafios a serem enfrentados por aqueles que acreditam e adotaram a região como novo lar. Roraima é um Estado peculiarmente interessante, de características endêmicas únicas, fascinante em sua composição populacional e demográfica, de inegável estratégia geográfica, e, portanto, merecedor de uma leitura crítica ampla acerca do seu papel regional na Amazônia Setentrional.

Faz-se assim necessária uma leitura crítica que fuja ao propósito de romantizar Roraima, mas sim de oferecer uma análise mais fidedigna de uma região que fica acima da linha do equador, mais caribe do que Brasil, mas ainda Brasil; uma análise que rompa com estereótipos equivocados, e que se atenha a fatos e não a informações distorcidas, falaciosas, e, ou, a “lendas” que no conjunto destoam com a verdadeira história do lugar. Este ensaio visa a relatar a realidade, os desafios e a pujança de Roraima evitando os excessos das retóricas discursivas e centrando-se em três perguntas principais que levem a uma reflexão acerca das questões sociais, econômicas e geopolíticas: Como tem sido construída a identidade roraimense? Qual é o papel de Roraima para a Amazônia Setentrional? Qual é o modelo de desenvolvimento apropriado para o Estado?  

Apesar de sua distância e marginalidade em relação aos grandes centros, quem chega a Boa Vista se surpreende com a cidade planejada, bem organizada em termos gerais, relativamente limpa, tranquila, possuidora de vários ícones arquitetônicos arrojados, com avenidas largas, com carros em menor número se comparada a São Paulo ou Brasília; uma cidade ainda sem o estresse dos congestionamentos fatigantes que roubam no final de uma semana de comutação várias horas da vida dos cidadãos; uma cidade que tem um índice de criminalidade bem abaixo do de outras capitais do Brasil, onde a saidinha de banco ocorre com menos frequência e o roubo de veículos pode ser considerado inexpressivo, pois, afinal, levar o veículo roubado para onde, para Manaus, ou tentar levá-lo para a Venezuela ou Guiana onde as barreiras policiais internas não permitiriam o avanço de um veículo roubado? Já a prática de roubo de veículos para sustentar desmanche e o mercado ilegal de peças automotor usadas é praticamente inexistente.

Para dar uma noção mais exata do isolamento e do tamanho de Boa Vista e de Roraima, algumas distâncias e números em relação às demais capitais do país podem ajudar. Manaus, o centro urbano mais próximo com uma população de 1.718.584 pessoas (IBGE, 2010), fica a 785 km de Boa Vista; Brasília está 4.275 km distantes; São Paulo, 4.756 km; Porto Alegre, 5.348 km; Caracas, capital venezuelana, fica a 1.582 km de Boa Vista, e Georgetown, capital da Guiana Inglesa, dista 641 km. Boa Vista tem uma população de 277.284 pessoas, e Roraima interira soma uma população de 425.398 indivíduos (IBGE, 2010), ou seja, 25% da população da cidade de Manaus, um contingente populacional minúsculo em termos comparativos. Daí deduz-se existem vantagens e desvantagens em relação às centenas e milhares de quilômetros que separam Roraima do resto do país e do Caribe. Há uma calmaria e tranquilidade bucólicas originária nesses fatores geográficos.

Boa Vista é feita de migrantes, um lugar sem sotaque específico, fato que deixa muitos visitantes intrigados já no primeiro contato com o povo daqui; mas depois nota-se que Roraima é o lugar onde se encontram todos os sotaques do país, em particular, o sulino, o gaúcho, o maranhense, o goiano, não se limitando a esses. No geral, as pessoas são bonitas, os de fora com suas belezas regionais e os caboclos com uma miscigenação linda e atraente em que alguns traços indígenas são facilmente identificáveis. A renda per capita é elevada figurando entre as maiores do Norte do país haja vista que uma considerável parcela da população é de funcionários públicos concursados ou que conseguiram esse status vitalício quando na transição de Roraima de ‘Território’ para o status político-administrativo na Federação de ‘Estado’ com a Constituição de 1988.

Boa Vista é predominantemente horizontal; há apenas dois prédios com mais de 10 andares na cidade. O custo de vida é, diga-se extraoficialmente,  cerca de 20% mais elevado se comparado ao de certas capitais, Goiânia, por exemplo. O aluguel, a conta de luz (o ar-condicionado fica ligado boa parte do dia), os produtos industrializados, laticínios,  e o lazer elevam os custos. Há realmente poucas indústrias locais, e, para se ter uma ideia, os telhados das casas - de quase todas -  são de amianto, aliás inapropriados para o clima  equatorial da região. Em Boa Vista há uma fábrica de telhas de barro e são bem caras fazendo com que o dono do imóvel tenha de comprar as telhas em Manaus para reduzir os custos da obra, mas mesmo assim as construções ficam bem mais caras por causa do transporte. Dessa forma, o poder econômico de uma família pode ser medido pelo tipo de telhado, mas isso não é regra!

Mas Boa Vista tem uma elite que faz questão de pomposamente se afirmar como tal pela cidade, nos bares e nos restaurantes, boates, etc. com um social intenso, mulheres impecavelmente bem vestidas e maquiladas; e observa-se um evidente “show-off” de carrões, com uma preferência por caminhonetes de cabine dupla ou caminhonetes esportivas. Ainda falando sobre o nível socioeconômico do cidadão roraimense, logicamente que nem todos são funcionários públicos bem remunerados. Existe um grosso da população alijado desse mundo elitizado, vivendo às margens do poderio econômico e dos salários encorpados pelo erário. Nesse sentido, Roraima é apenas uma extensão e repetição das desigualdades sociais existentes no resto do Brasil.  

A preferência pelas caminhonetes esportivas é algo justificado por causa dos inúmeros buracos em vias urbanas e nas estradas, muitas são vicinais sem asfalto e com fartos lamaçais, o que torna uma viagem ao sitio da família um enduro cheio de adrenalina e com muita emoção. Os buracos são logicamente resultado das chuvas constantes. Aliás, existem duas estações em Roraima: a estação seca e a chuvosa, e essas ficam bem mais definidas do que no resto do país. A estação chuvosa inicia-se geralmente em maio e finaliza em agosto, e, por causa do tipo de solo da região, as chuvas – quando torrenciais – demoram muito a penetrar a terra dificultando o escoamento, e é comum os alagamentos em vias públicas e em terrenos baldios. Os residentes sempre aconselham os recém-chegados a adquirirem um imóvel (casa ou terreno) na época da estação chuvosa, pois só assim saberão o nível de permeabilidade do solo evitando dor de cabeça.

Mas o acesso a Roraima é limitado, e majoritariamente feito por via aérea. Quem quer vir de outros Estados para Manaus, e consequentemente para Boa Vista, tem como opção as hidrovias amazônicas embarcando, por exemplo, em Porto Velho, Santarém, ou Belém. Não existem estradas que ligam diretamente as demais capitais do país a Manaus. Como alternativa, os visitantes podem pegar um dos quatro voos diários existentes, dois da TAM e dois da GOL, para chegar a Boa Vista, o principal portão de entrada do Estado.

Contudo, os voos são disputadíssimos devido ao número reduzido e ao contingente humano que quer sair do Estado para visitar parentes, etc. Tudo isso faz com que os preços das passagens sejam estratosféricos, e as companhias aéreas raramente fazem promoções. Por exemplo, uma passagem ida-e-volta para Brasília pode custar até R$ 1.600,00 mesmo se adquirida com antecedência, e nos feriados de final de ano, uma passagem aérea ida-e-volta mais barata para São Paulo ou para Brasília pode chegar a R$ 3.500,00. Ou seja, são preços de passagens internacionais para a Europa ou para os Estados Unidos. Por exemplo, um amigo professor da Universidade Estadual de Roraima, UERR, queria participar da 54º. ICA, Conferência dos Americanistas, em Viena, na Áustria, e optou por comprar a passagem na Venezuela, embarcando em Puerto Ordaz, pois sairia por menos da metade do preço do que fazê-lo via Boa Vista. O trecho aéreo para a Áustria ficou em R$ 2.000,00; se fosse feito de Boa Vista ficaria em R$ 4.700,00. A solução encontrada pela maioria dos roraimenses é optar pela compra de bilhetes por meio de milhagens que são negociadas por terceiros em um movimentado mercado paralelo de aquisição de trechos de viagens que variam de R$ 320,00 a R$ 650,00 o trecho dependendo da época do ano e das promoções das companhias para as milhagens. Isso reduz os custos das viagens, deixando-as mais próximas do que é praticado no resto do país. Ainda falando de custos, o sistema de saúde ainda é incipiente em algumas especialidades se comparado às capitais do sul e do sudeste fazendo com que muitos residentes acabem buscando tratamentos médicos mais sofisticados em outras localidades. Conclui-se: viver em Roraima pode se tornar dispendioso.

A BR 174, também chamada de Manaus-Boa Vista, é a única que liga Roraima ao resto do país, e é também chamada de Rodovia da Integração com o Caribe. Pela relevância regional que possui, pode-se chamá-la de ‘BR Brasileiro-Caribenha’, ou ‘BR da Integração Brasil-Venezuela‘.  No entanto, a BR-174 - apesar dos esforços dos governos estadual e federal com as operações tapa-buracos e de recapeamento - ainda possui alguns trechos em situação precária, com buracos de sobra, o que faz o tempo da viagem dos 785 km se tornar mais longo em exaustivas 10, 11 horas na estrada. Na direção oposta, na mesma BR, entre Boa Vista e Pacaraima – cidade que fica na divisa com a Venezuela – a estrada também possui trechos em situação ruim. Uma rodovia sem ruim encarece o transporte de mercadorias. Antes do asfaltamento da BR 174, os gêneros alimentícios podiam chegar por via fluvial no porto de Caracaraí, distante 145 km de Boa Vista, mas com a pavimentação da rodovia em 1998, o porto perdeu sua importância comercial para o comércio varejista local reduzindo suas atividades; hoje o porto funciona mais para o transporte de combustível para os reservatórios da Petrobrás, minérios, entre outros carregamentos de grande volume e porte.

As margens urbanas do Rio Branco em Caracaraí também são o principal atracadouro de barqueiros e de suas famílias vindos principalmente da região conhecida como Baixo Rio Branco; essas famílias de baixo poder aquisitivo vêm a Caracaraí para fazer compras de gêneros alimentícios básicos, tratamento médico, receber benefícios públicos e assistência governamental, tais como o bolsa família, etc. Caracaraí é um dos municípios brasileiros que faz parte do Programa Territórios da Cidadania devido à carência e demandas sociais do sul desse município.

Roraima possui particularidades territoriais que devem ser comentadas aqui. O Estado tem 54% de sua área de terras indígenas, as maiores são as do Ianomâmi e das etnias que fazem parte da área Raposa Serra do Sol. São ao todo 30 povos indígenas em Roraima, algo como 60 mil pessoas de etnias especificas. São aproximadamente 11,9% de Unidades de Conservação, entre parques e estações ecológicas (SEPLAN, 2010). Somando esses percentuais com as Áreas de Proteção Permanente e as Reservas Florestais Legais, Roraima tem aproximadamente 70% de seu território indisponível para agricultura, expansão de cidades, implantação de grandes parques industriais, etc. Esse intricado mosaico territorial e agrário engessa o Estado, apesar de que do ponto de vista ecológico, tal fato é algo a se comemorar, mas coloca Roraima em desvantagem relativa com outros Estados, e deve, portanto, ser compensado por isso.

Sim, o território dos Waimiri-Atroari é fechado a visitantes e a estrada que o corta tem acesso restrito entre às 18:30h e 06:00h da manhã. A entrada no Território deles só ocorre com a permissão da FUNAI e, principalmente, se autorizada por uma ONG de comando estrangeiro localizada em Manaus. No entanto, essa informação tem de ser confirmada, pois esses relatos são feitos informalmente pelas pessoas. Não existem documentos que comprovem essa mediação. Muitos índios são bilíngues ou trilingues, falam uma ou mais línguas indígenas, alguns são fluentes em inglês e, ou, em espanhol, principalmente aquelas comunidades na fronteira entre Brasil e Guiana Inglesa, em particular, os Patamona, e aquelas comunidades situadas próximas à fronteira com a Venezuela. Algumas comunidades têm membros que não dominam fluentemente o português.

A influência e a presença de estrangeiros (e de suas ONGs, missões, etc.) em Roraima e na Amazônia têm de ser regulamentada, e devidamente registrada pelo governo estadual e federal de modo que se assegure, por exemplo, os interesses, a segurança e a soberania nacional. Há várias denúncias (algumas comprovadas) de ação de pessoas e grupos estrangeiros infiltrados na região e praticando a biopirataria. Aliás, isso já foi denunciado por inúmeros artigos já publicados, tais como, os de Alfredo Homma, do BASA e da Embrapa (os links estão no final do texto). No entanto, existiu nas últimas décadas uma intensificação das missões religiosas nas comunidades indígenas com os propósitos de evangelização, socialização, pacificação e assistencialismo. O resultado disso é uma dicotomia em duas correntes religiosas. Por exemplo, na Reserva Reposa Serra do Sol, há comunidades católicas e comunidades indígenas evangélicas. Em vários discursos dos líderes indígenas em eventos públicos, por exemplo, em Encontros Indígenas, Seminários ou em Conferências, citações de passagens bíblicas são feitas demonstrando o elevado grau de conversão dos indígenas. Um debate a ser feito é sobre o trabalho dos missionários religiosos e a influência disso na cultura e tradição indígena. Conversão ou intervenção? Aliás, um amplo estudo antropológico de característica etnográfica deve ser realizado nas reservas indígenas a fim de se saber o nível de aculturação desses povos na Amazônia.

Nas comunidades ribeirinhas do Baixo Rio Branco, no sudoeste de Roraima, foi relatada a presença de uma empresa da biotecnologia e de um grupo italiano naquela localidade com propostas de projetos. Não que seja algo suspeito, mas apenas que essa e outras organizações que atuam no Estado de Roraima devam ter suas atividades registradas e, talvez fiscalizadas a fim de se saber a essência de seus projetos. Para não se incorrer no despropósito de transformar boatos, rumores e exageros em notícia, dando conotações verídicas a eles, todo pesquisador social sério tem que atentar para o fato de que ‘nenhuma informação’ é verdadeira até que seja oficialmente averiguada do contrario tudo é mera especulação.

No mês passado, na Universidade Estadual de Roraima, UERR, em um encontro com o Tuxauá (líder e representante maior indígena) da Reserva Raposa Serra do Sol, foi-me dito que algumas comunidades indígenas querem implantar o turismo ecológico indígena no território deles. Estarei este semestre discutindo e indo lá no Raposa para estudar a possibilidade do ecoturismo no local e nas formas de gestão da atividade no contexto das comunidades. Como dizem por aqui, Roraima é um laboratório a céu aberto na Amazônia para todo tipo de pesquisa. Um lugar de lavrados (Cerrado Amazônico) e florestas densas, participante de uma  tríplice fronteira, rico em biodiversidade, e em etnias. Visando a executar projetos de pesquisa de caráter multidisciplinar, em janeiro de 2012 foi fundado na UERR o Laboratório Multidisciplinar em Planejamento Regional, Dinâmicas Territoriais e Desenvolvimento Sustentável na Amazônia Setentrional, MultiAmazon, e a equipe de docentes e discentes do Laboratório está na cruzada para equipar e estruturar o espaço físico do MultiAmazon, dando a ele o status e o papel institucional devidos. O Laboratório tem quatro linhas de pesquisa, entre elas o planejamento ambiental, gestão territorial e etnodesenvolvimento.

Falando um pouco sobre o contexto político de Roraima, o Estado tem um histórico de um clientelismo exagerado, algo que se remete desde a época em que Roraima ainda era Território da Federação. O resultado dos conflitos de interesses em Roraima fez surgir uma 'geopolítica politiqueira roraimense’, fruto de um legado histórico, e como assinala Claude Raffestin, quando há jogos de interesses e disputas no comando, surge então “uma geografia do poder”. Mas existe uma tendência a caminhar rumo às convergências de interesses para se obter vantagens coletivas. Roraima acumula avanços nesse sentido, e isso só foi e está sendo possível mediante vontade política com tomada de decisões pontuais, com a implantação de políticas públicas, e de programa e de projetos de interesse geral. Não é um sistema político perfeito, mas tem somados esforços e feito suas contribuições em todas as esferas. Mas este ensaio não tem o propósito de escrutinar a vida política de Roraima nem avaliar a gestão pública, e sim mostrar um contexto socioeconômico e cultural do Estado.

Para concluir, é importante reintroduzir as três perguntas citadas no início deste ensaio, e tentar respondê-las de forma sucinta, algo, alíás, desafiador, pois são perguntas complexas que exigem uma análise mais introspectiva, profunda, de reflexão. Mas com base no que já foi relatado é possível rascunhar algumas linhas que venham a ser uma continuidade da discussão dos pontos levantados no texto. As perguntas servem portanto para instigar investigações acadêmicas mais adensadas sobre o legado, o contexto e a missão de Roraima na Federação. 

Como tem sido construída a identidade roraimense? Aqueles que pertencem a Roraima, nascidos e criados aqui, são chamados de macuxi, e ser macuxi é aceitar a diversidade cultural migrante que existe em Roraima. O fato de o Estado não ter um sotaque específico não implica na ausência de elementos identitários, pois isso é compensado por outras formas de pertencimento; acredito que uma identidade se constrói a partir do momento que o sentimento de pertencimento a um determinado local aumenta, e o indivíduo acaba por se sentir como parte das rotinas e do contexto daquela localidade; como há muitos migrantes, muitos se encontram em situação análoga, ou seja, distantes de amigos e parentes que ficaram em terras alhures, mas ao formar família, ter filhos, isso leva as pessoas a criarem raízes e a gostar da nova terra como lar. A identidade roraimense tem sido construída com a contribuição de migrantes de todos os Estados do país, em que a cultura local já arraigada - tal como a indígena - se permeia com aquilo que vem de fora (mas sem perder suas características), incorporando e aceitando o outro, de modo que novas práticas, manifestações e práticas sociais e culturais surgem, dando novos contornos e significados à palavra ‘macuxi’. Tendo 54% do território ocupado por terras indígenas, com 30 etnias diferentes, não se pode falar de cultura e identidade roraimense à revelia da riqueza, contribuições e influências da cultura indígena. Não se esquecendo da riqueza cultural dos países vizinhos, a Venezuela e a Guiana, que de certo modo têm sua influência em Roraima. Aliás, o povo de Roraima tem a oportunidade de poder aprender e praticar os dois idiomas mais populares e falados do mundo, o inglês e o espanhol. Lethem, a cidade da Guiana na fronteira com o Brasil, está a uma hora e meia de carro de Boa Vista. E Santa Elena de Uairén está distante apenas duas horas e meia. A Venezuela tem uma cultura hispânica, de origem ibérica; já a Guiana tem as influências britânicas por ser ex-colônia, mas também a presença de culturas ameríndias, indiana e africana. Enfim, presencia-se em Roraima um processo de formação de uma identidade heterogênea com contribuições indígenas, de migrantes e dos países fronteiriços. É inegável que há um forte orgulho em ser roraimense, em ser parte da história de Roraima.

Qual é o papel de Roraima para a Amazônia Setentrional? Pode-se dizer que Roraima é o guardião do topo do Brasil, e o interlocutor nas interações de uma tríplice fronteira. Roraima tem várias responsabilidades sociais, ambientais e políticas na região setentrional. A responsabilidade social é a de promover uma melhoria da qualidade de vida para suas populações. Sim, exatamente isso, populações, no plural mesmo, pois há três grandes grupos humanos que aguardam uma intervenção estatal mais ostensiva para reduzir as desigualdades sociais. Esses aglomerados humanos são: as comunidades indígenas, os ribeirinhos roraimenses, e os assentados. Roraima tem a responsabilidade de garantir a preservação e conservação de seus dois biomas: o amazônico e a savana, e isso não é uma tarefa fácil haja vista a pressão e demanda por terras. Policiar, monitorar, fiscalizar e criar mecanismos que impeçam o desmatamento é um dos papéis de Roraima.  O papel político de Roraima nas relações internacionais é, por exemplo, o de agente integrador do Brasil com a Venezuela e a Guiana. As relações fronteiriças são estratégicas para a sobrevivência econômica do Estado, pois, como mencionado, ele está mais para o Norte do que para o Sul em suas relações comerciais. Ou seja, em razão de sua posição geográfica, o mercado e as relações comerciais para Roraima encontram-se mais ao norte, no Caribe e América Central, do que para São Paulo. Assim, as políticas públicas devem ter um papel de integração regional em todos os sentidos. Com a entrada da Venezuela no Mercosul, Roraima tem um papel e importância regional ampliados, tornando-se um Estado-chave para a consolidação da liderança do Brasil na América do Sul. Esses fatos geopolíticos e econômicos não podem ser desprezados!

Qual é o modelo de desenvolvimento apropriado para o Estado?  O modelo de desenvolvimento para Roraima deve ser um modelo híbrido e de base sustentável. Devido à fragilidade do meio ambiente e às limitações de terras disponíveis, pois grande parte delas é de unidades de conservação ou de reservas indígenas, não se pode reproduzir em Roraima um modelo desenvolvimentista de ocupação dos espaços pela monocultura. O agronegócio em grande escala não é uma opção para Roraima. O modelo de desenvolvimento desejado é aquele que venha a congregar os interesses do governo, do setor privado, dos fazendeiros, e dos grupos indígenas. Tem-se que investir nos setores e nas áreas de produção em que Roraima se destaca, fazendo com que o Estado se torne uma referência nacional e internacional de excelência. Por exemplo, seja na piscicultura, seja no turismo, ou na implantação de indústrias de tecnologia de ponta, tal como o modelo de Manaus, da SUFRAMA. Aliás, Roraima possui duas Áreas de Livre Comércio, ALCs, e talvez seja esse o caminho para um desenvolvimento diferenciado, híbrido, que congregue os interesses capitalistas com os ambientais, com geração de emprego e renda, de modo que a população ganhe um salto na qualidade de vida.  O modelo ideal de desenvolvimento para Roraima vai surgir por meio de tentativas e experimentações, e com base naquilo que tem sido sucesso em outras partes do Brasil e do mundo. Mas a base desse desenvolvimento é irrefutavelmente a sustentabilidade. Talvez não haja um modelo, mas modelos a serem implantados, incluindo o etnodesenvolvimento, devido ao mosaico territorial eclético do Estado.

Concluindo, Roraima é um Estado fascinante, de oportunidades, e promissor. Como dizem alguns políticos, “Roraima vive a maldição da abundância de riquezas”, e para aqueles que querem contribuir para a formação de uma identidade e fortalecimento de um território tão ímpar, Roraima pode virar o novo lar. Talvez o correto não seria dizer que Roraima seja um Estado em formação, mas um Estado com uma identidade e papel regional em consolidação.

Links de artigos eletrônicos de Alfredo Homma:

1.Basa (de Alfredo Homma)
2.Embrapa (Homma):
 
 
Ismar Borges de Lima 
Professor Efetivo da Universidade Estadual de Roraima, UERR,
Coordenador do Laboratório em Planejamento Regional, Dinâmicas Territoriais e
Desenvolvimento Sustentável na Amazônia Setentrional (MultiAmazon) e
Coordenador do Curso de Turismo, UERR. 
Boa Vista, Roraima, BRASIL. 
Emails: 
ismarlima@yahoo.com.br 
ismargo2000@hotmail.com (MSN)
 
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Ficha bibliográfica:
LIMA, Ismar Borges de. Roraima e a Integração da Amazônia Setentrional: contexto, perspectivas e desafios de um Estado com identidade e papel regional em consolidação. In: Territorial - Caderno Eletrônio de Textos, Vol. 2, n 3, 01 de setembro de 2012. [ISSN 22380-5525]