TERRITÓRIO DO AGRONEGÓCIO VERSUS TERRITÓRIO DA BIOSFERA GOIAZ: ANÁLISE DEMOGRÁFICA - Ronan Eustáquio Borges

07/10/2020 14:57

 

Introdução

O trabalho que apresentamos analisa a dinâmica populacional de três microrregiões goianas: Sudoeste de Goiás (composta por 18 municípios e que tem como principais centros populacionais Rio Verde e Jatai), Chapada dos Veadeiros (onde estão localizados os municípios de Cavalcante, Alto Paraíso de Goiás, num total de oito) e Vão do Paranã (composta por 12 municípios, entre eles Posse), estas localizadas na porção Norte do estado (figura 01). Para análise estabelecemos como recorte temporal os censos de 1991, 2000 e 2010.

Figura 01- Localização das microrregiões Chapada dos Veadeiros, Sudoeste Goiano e Vão do Paranã – Goiás/Brasil.

 

A escolha dessas microrregiões foi baseada na diferenciação do território usado. A primeira microrregião é considerada o território do agronegócio, com uma produção considerada moderna e voltada para o mercado externo, a partir da produção de “commodities”. Nela também estão localizadas empresas de dois complexos agroindustriais (CAI´s) importantes no cenário nacional, o CAI de grãos, sendo a soja o principal, com a atuação de empresas regionais como a COMIGO – Cooperativa, multinacionais como: CARGIL S/A e Louis Dreyfus Commodities (antiga COINBRA S/A), além de outras que não tem plantas industriais na microrregião e o CAI de carnes, centrado fortemente na presença e atuação da empresa BRF – Brasil Foods, unidade da Perdigão.

Já a segunda e a terceira microrregiões apresentam um uso distinto do território, reservado, através da Biosfera Goiáz, para a preservação ambiental e que tem sido usada, em parte, para a compensação ambiental de áreas desmatadas na região Sudoeste do estado e com uma produção agropecuária em padrões técnicos inferiores aos dos aplicados em outras regiões do estado. Nessas microrregiões está localizado o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, além de outras APPs. Essas regiões têm as áreas de vegetação mais preservadas do estado.

Portanto, temos um cenário territorial que tem características de uso distintas e uma dinâmica populacional proporcionalmente distinta. Essa distinção é que nos incentivou a realizar a pesquisa sobre a dinâmica populacional nas três microrregiões.

A nossa pesquisa baseou-se na análise dos censos demográficos de 1991, 2000 e 2010, nas informações do IMB (Instituto Mauro Borges), vinculado a Secretaria de Planejamento do Estado de Goiás e nas do Atlas de desenvolvimento Humano - 2013. Para a pesquisa selecionamos algumas variáveis para análise: fecundidade, mortalidade, envelhecimento, distribuição da população por faixa etária, distribuição espacial da população. E, nos aspectos socioeconômicos, optamos por usar os indicadores; concentração de renda, renda percapita, IDHM – Índice de desenvolvimento Humano municipal, índice GINI.

Metodologicamente trabalhamos com a análise dos dados secundários disponibilizados pelo IBGE, IMB e no Atlas de Desenvolvimento Humano. Inicialmente, sistematizamos as informações por municípios, segundo cada microrregião; depois trabalhamos essas informações analisando as variações microrregionais e realizamos comparações entre as microrregiões.

 

Resultados e discussões

A distribuição espacial da população nas microrregiões é variada, dos 38 municípios analisados 25 possuem menos de 10 mil habitantes e outros oito tinham menos de 30 mil, em 2010.

O Sudoeste tinha o maior número de habitantes em 2010 e a Chapada dos Veadeiros o menor. A diferença em número de habitantes entre essas duas regiões era de 383.749 habitantes (conforme tabela 01).

 

Tabela 01: Goiás – Microrregiões pesquisadas – População Total – 1991 a 2010

Microrregiões

1991

2000

2010

% pop. em relação a estadual

Chapada dos Veadeiros

49.723

56.011

62.684

1,04

Vão do Paranã

85.655

91.975

107.311

1,78

Sudoeste de Goiás

287.159

344.377

446.433

7,45

Goiás

4.018.903

5.003.228

6.003.788

100

Fonte: Instituto Mauro Borges (IMB, 2014).

 

As informações nos permitem afirmar que houve um crescimento demográfico significativo em duas décadas. A microrregião que teve maior crescimento foi Sudoeste de Goiás com 35% de crescimento em relação à população de 1991. A Chapada dos Veadeiros teve o menor crescimento 20,67% em relação a 1991.

Mas o crescimento microrregional não bem distribuído, está concentrado em alguns municípios, o principal exemplo é no Sudoeste, que em 2010 tinha 79% população concentrada em quatro municípios (Rio Verde, Jataí, Mineiros e Santa Helena de Goiás). Nas demais regiões a população está mais bem distribuída nos municípios.

Alguns municípios tiveram decréscimos populacionais nos dois períodos censitários, sendo quatro na microrregião do Vão do Paranã, dois na Chapada dos Veadeiros e um no Sudoeste.

Existe uma desigualdade na distribuição populacional no estado de Goiás muito exagerada, porque mais de 50% da população do estado estão na região metropolitana, e na pesquisa percebemos este fato quando comparamos o percentual da população microrregional em relação à do estado. O Sudoeste tinha em 2010 7,45%, Vão do Paranã 1,78 e Chapada dos Veadeiros 1,04.

Mas, essa desigualdade enorme não se repete em todas as variáveis, a exemplo da taxa de fecundidade que apresenta taxas próximas entre as regiões.

 

Fecundidade em declínio, mas garantindo a reposição

A fecundidade é o número de filhos por mulheres em idade reprodutiva (15 a 49 anos). É a variável que nos permite analisar a tendência de crescimento da população de um país, estado, região ou município.

A microrregião do Sudoeste de Goiás, com 18 municípios, apresentou um declínio na taxa de fecundidade em todos os municípios no período de 1991 a 2010. Em 1991 a taxa estava entre 2,4 e 4,0 filhos por mulheres. A menor taxa era de Rio Verde e a maior no município de Perolândia. Percebe-se que mesmo a menor taxa em 1991 estava acima da taxa de reposição, que é de 2,1 filhos por mulheres. A média da fecundidade em 1991 era de 3,03 e em 2010 caiu para 2,27.

Em 2010 apenas quatro municípios da microrregião Sudoeste tiveram taxas abaixo da reposição, ambos com 1,9 filhos/mulheres (Mineiros, Rio Verde, Santa Helena de Goiás e Palestina de Goiás). No último censo analisado (2010) as taxas de fecundidade ficaram entre 1,9 e 2,7. Em outras palavras, 88% dos municípios estão com taxas acima da reposição.

Nas microrregiões pertencentes à Reserva da Biosfera Goyaz (Resbio) a fecundidade é mais alta do que a média do estado e do Sudoeste de Goiás. A microrregião da Chapada dos Veadeiros possui a média ligeiramente maior do que a do Vão do Paranã, respectivamente 2,6 e 2,57. No entanto, o município com maior taxa (2010) está localizado na segunda microrregião, Mambaí-GO, com 3,7 filhos/mulher.

Os dados de 1991 mostraram que a Chapada dos Veadeiros é historicamente a região com maior taxa de fecundidade e, consequentemente, maior taxa de natalidade, tendo naquele ano um município com taxa de 6,3. Já o Sudoeste de Goiás no período analisado apresentou as menores taxas de fecundidade, mas mesmo assim acima da de reposição.

Os dados revelam um potencial maior das microrregiões da Resbio na reposição da população do estado e da compensação das baixas taxas de outras microrregiões do estado de Goiás, entre elas a microrregião de Goiânia.

 

Mortalidade infantil: Redução importante e consistente

O declínio da mortalidade infantil nas três microrregiões ficou muito próximo, ocorrendo no Vão do Paranã o maior declínio entre 1991 e 2010 no município de Flores de Goiás com redução de 25,1 mortes por mil habitantes em três décadas. Em seguida Monte Alegre de Goiás com redução de 23 mortes. E, no Sudoeste de Goiás o município de Palestina de Goiás com redução de 20,6 mortes/1000 nascidos vivos.

O resumo que se faz do comportamento dessa variável nas regiões pesquisadas é que: a) apresentam diferenças menores do que em outras variáveis, quando há comparação entre as microrregiões; b) as desigualdades numéricas reduziram consideravelmente, internamente as microrregiões; c) estão abaixo da média brasileira que é de: 16,96 mortes/1000 nascidos vivos; d) as reduções são frutos das politicas de combate à mortalidade infantil, congregando diversos atores e ações em diferentes frentes e; e) sofreram um forte declínio, cujos valores saíram de três dezenas para uma dezena.

 

Análise da distribuição da população por faixa etária: bônus demográfico e envelhecimento

A análise da distribuição da população em faixa etária permite verificar, principalmente, a dinâmica de envelhecimento, natalidade e a razão de dependência de um grupo populacional.

A desigualdade regional fica aparente quando se analisa, principalmente, a razão de dependência. A razão de dependência caiu nos últimos três censos, chegando, já em 2000, em vários municípios a um pequeno bônus demográfico. Em 2010 esse bônus se efetiva, uma vez que a população participante da PIA (População em Idade ativa) ultrapassa os 50% dos habitantes, revelando o inicio da superação de dependência massiva. Em outras palavras, temos nos municípios pesquisados mais pessoas potencialmente produtivas, do que aquelas que não estão em idade produtiva, como as crianças até 15 anos e os idosos de mais 65 anos.

No entanto, há diferenças entre as três microrregiões, o Sudoeste apresenta um cenário favorável na razão de dependência, mais próximo à média nacional e estadual. Já nas outras duas microrregiões a população dependente ainda supera população em idade ativa, em valores superiores às médias nacional e estadual. Esse quadro de discrepâncias regionais do bônus demográfico é apontado pelo estudo dos pesquisadores do Instituto Mauro Borges (IMB) (IMB, 2013)

Quanto ao processo de envelhecimento da população podemos afirmar que está em curso, por duas frentes: a primeira pela redução da natalidade e da fecundidade, diminuindo número de crianças e proporcionalmente elevando o número de adultos. E pela segunda frente às pessoas estão vivendo mais, graças a uma série de fatores que adiam a morte.

As taxas de envelhecimento estavam (2010) entre 4,74 e 9,10 % na Chapada dos Veadeiros e 4,74 e 8,78% no Vão do Paranã e, por fim, 4,6 e 8,6 no Sudoeste de Goiás. Um aspecto a destacar é que as maiores taxas de envelhecimentos estão na região da RESBIO.

De certa forma, o envelhecimento está ocorrendo de forma semelhante nos municípios, com taxas que se mantem em crescimento médio de 2,5 a 3% a cada censo. Permanecendo esse crescimento em duas décadas o número de idosos chegará muito próximo ao número de crianças, se mantiver a redução da natalidade no ritmo que observamos.

 

Indicadores socioeconômicos: desigualdade microrregional e intra-microrregional

Nesta parte selecionamos como variáveis para análise: a concentração de renda, renda percapita, IDHM (Índice de Desenvolvimento Humano Municipal) e índice Gini.

Ao analisar as informações verificamos que há uma forte concentração de renda em todas as microrregiões, embora abaixo da média estadual e nacional, nos itens: concentração de renda nos 20% mais ricos e o índice de Gini.

A renda per capita tem uma variação muito grande intra-regionalmente e entre as regiões pesquisadas. A microrregião do Sudoeste, mesmo tendo a maior média de renda per capita, apresenta a maior diferença entre o município com menor renda e o de maior renda. Em seguida vem a microrregião do Vão do Paranã e da Chapada dos Veadeiros.

Quando comparadas as rendas médias verifica-se em todas as microrregiões pesquisadas que a renda é menor que a média estadual e nacional. Vale comentar que a renda média nacional é extremamente baixa de R$ 793,87 e a estadual não é diferente. Esse quadro é fruto da forte concentração de renda que ocorre no país e é observado nas escalas mais reduzidas do território.

Esse item contribui para o baixo índice de desenvolvimento humano (IDH), que melhorou muito nas últimas décadas, sobretudo pela melhora nos níveis educacionais, longevidade (redução da mortalidade) e na redução da mortalidade infantil. O IDHM mostra que apenas o Sudoeste de Goiás pode ser classificado como alto, as outras microrregiões estão no nível médio, segundo a classificação do IDHM que varia de muito baixo a muito alto.

Entre os municípios, o Sudoeste tinha o melhor cenário em 2010 com 50% de IDHM considerado alto e 50% médio. Já nas microrregiões da RESBIO a maioria com IDHM médio, apenas um em cada microrregião tinha IDHM alto e três com índice considerado baixo.

As informações aqui trabalhadas demonstram a desigualdade regional e situação de vulnerabilidade dos municípios pertencentes á RESBIO, que recebeu na divisão territorial do trabalho tem a função de conservação e preservação do bioma cerrado. No entanto, isso não conseguiu iniciar um desenvolvimento regional, reduzindo as grandes diferenças socioeconômicas e melhorando a qualidade de vida dos habitantes dessas regiões.

 

Considerações finais

Outra variável importante para compreender melhor as diferenças e desigualdades entre as microrregiões é a migração. Pretendemos, continuando com a análise, compreender o comportamento da mobilidade populacional nessas microrregiões, enfatizando as migrações intra-regional, intra-estadual e inter-estadual.

O trabalho aqui apresentado nos permite verificar que a dinâmica econômica mais intensa no Sudoeste de Goiás, de alguma forma, influencia nas variáveis demográficas analisadas, tornando-as mais próximas às médias nacionais e estaduais, porém, não menos desiguais.

 

Referências

ATLAS de desenvolvimento Humano - 2013. Disponível em: https://atlasbrasil.org.br/2013/pt/o_atlas/o_atlas_/. Acesso em: 22-26  jun. 2014.

BORGES, MARCOS M. ; GOUVEIA, Karina R. de (coord.). Plano de desenvolvimento turístico sustentável da Reserva da Biosfera Goyaz. 2004. 

IMB -INSTITUTO MAURO BORGES. Estatísticas municipais. Disponível em: https://www.imb.go.gov.br/Acesso em: 28 jun. 2014.

INSTITUTO MAURO BORGES – IMB. Dinâmica populacional: características e discrepâncias do bônus demográfico em Goiás. 2013. Disponível em: https://www.seplan.go.gov.br/sepin/down/dinamica_populacional_caracteristicas_e_discrepancias_do_bonus_demografico_em_goias.pdf. Acesso em: 13 jun. 2014.

IBGE- Institutos Brasileiro de Geografia e Estatística. Banco de dados agregados – Sidra. Disponível em: https://www.sidra.ibge.gov.br/.

 

Ronan Eustáquio Borges

Professor Associado da Universidade Federal de Goiás

ronanborges@ufg.br

 

Ficha bibliográfica:

BORGES, Ronan Eustáquio. Território do agronegócio versus território da Biosfera Goiaz: análise demográfica. In: Territorial - Caderno Eletrônico de Textos, vol. 10, nº. 12, 07 de outubro de 2020. [ISSN 22380-5525]