TURISMO E SEGURANÇA BIOLÓGICA – Gabriel da Costa Cabral, Gabriel Martins Cavallini & Mateus Silva Freitas
Este texto se insere em uma conjuntura que diz respeito ao avanço de epidemias, a exemplo do vírus Zika, que vem registrando maior incidência na América Central e do Sul, onde o Brasil encontra-se como um dos países com o maior número de casos confirmados. Isso tudo às vésperas da realização do maior evento esportivo do Planeta: os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro que será realizado em agosto de 2016.
Primeiramente, é importante fazer uma breve abordagem sobre o que é Segurança Biológica. Cada organismo está adaptado às condições ambientais do meio em que vive, mantendo um equilíbrio entre as outras formas de vida que coexistem na mesma região. Porém, quando uma espécie de determinado local migra para outra região, sua presença acarreta um desequilíbrio entre as espécies nativas desse meio. Isso fica mais evidente quando nos referimos principalmente sobre a inserção de doenças que anteriormente não existiam na localidade.
Nesse aspecto, o turismo se encaixa como um potencializador das redes de dispersão de agentes epidemiológicos, decorrente da abrupta evolução dos meios de locomoção, que intensificam a atividade turística possibilitando que indivíduos alçassem todas as regiões do globo, rompendo com as barreiras geográficas que existiam até então. Com isso, os impactos ocasionados pela transmissão dessas doenças saíram de uma escala local/regional, para uma escala global.
Essa correlação entre o aumento do fluxo turístico e a elevação do número de epidemias pode ser constatada com dados da Organização Mundial do Turismo (OMT). “Houve um aumento significativo do fluxo turístico entre 1997 e 2007, com mais de 900 milhões de turistas em trânsito, isso de acordo com Organização Mundial do Turismo” (MATOS e BARSELLOS, 2010, p. 129). Nesse período é possível apontar, entre outras, duas grandes epidemias, entre 2001 e 2003 o mundo passou pela Síndrome Respiratória Grave e em 2005 a Influenza Aviária. Posteriormente ao período desses dados, em 2009 ocorreu a Influenza Suína e mais recentemente o Ebola, em 2013.
Com todos esses eventos epidemiológicos, e o que eles acarretam ao sistema de saúde global, o turismo adquire grande importância nas questões internacionais de vigilância sanitária. O Turista torna-se vítima potencial a problemas de saúde, muitas vezes, por não possuírem aconselhamento médico pré-viagem, não obterem informações sobre as doenças locais como, por exemplo, os sintomas, as formas de prevenção e recomendações sobre vacinações. Essa falta de informações preventivas coloca o turista em situação de vulnerabilidade.
Grande parte das atividades econômicas necessita do deslocamento de pessoas entre regiões, países ou continentes, sendo o turismo majoritariamente uma atividade de deslocamento, medidas devem ser tomadas para evitar a disseminação de doenças em novos ambientes. Uma dessas medidas é a utilização do cartão de vacinação atualizado. Os viajantes internacionais devem estar com o Certificado Internacional de Vacinação ou profilaxia (CIVP), documento que comprova a vacinação contra algumas doenças, bem como outros métodos profiláticos. Essa exigência do CIVP para entrada de viajantes já é feita por alguns países, atuando como uma primeira barreira à entrada de novos agentes biológicos no país. Contudo, essas medidas deveriam se fazer presente em todos os países e aeroportos internacionais, para uma contemplação mais eficaz no combate a essas disseminações.
Uma coletânea de dados relacionados à saúde específica da população de turistas possibilitaria conhecer os riscos biológicos existentes em cada destino e por tipo de viagem. Também construiria uma fonte de dados para a elaboração de medidas de vigilância, na organização de políticas de saúde do turista, ficando esses dados de fácil acesso para agências de viagem, turistas e governos.
No que diz respeito aos grandes eventos internacionais, é importante destacar que eles ocasionam um aumento considerável no fluxo da atividade turística, atraindo pessoas de todas as partes do mundo para uma única cidade ou região. Com isso a possibilidade de disseminação de doenças aumenta causando riscos à segurança biológica tanto do país que sedia o evento quanto dos países que estão representados com turistas correndo o risco de que as doenças contraídas sejam levadas para seus países de origem. O Zika vírus[1] tornou-se um grande problema para o sistema de saúde do brasileiro, e as hipóteses apontadas é que esse vírus se disseminou no país pela grande movimentação de turistas que vieram de áreas afetadas para participar de grandes eventos.
Segundo a Fundação Oswaldo Cruz, uma das hipóteses é que o vírus tenha começado a circular no país por meio de turistas estrangeiros durante a Copa do Mundo de 2014. Outra é que o vírus tenha chegado durante o Campeonato Mundial de Canoa Polinésia, ocorrido em agosto do ano passado no Rio de Janeiro. O evento contou com a participação de diversos atletas da Polinésia Francesa, região da Oceania que viveu um surto recente de zika (EVANGELISTA, 2015).
Às vésperas da realização das Olimpíadas de 2016 no Rio de Janeiro, o Brasil passa por uma profunda crise epidemiológica ocasionada pelo vírus Zika. Mulheres grávidas que contraíram o vírus durante a gestação deram à luz a crianças com má formação cerebral, casos estes diagnosticados como microcefalia[2]. Tendo em vista a proximidade da data de realização do evento que será em agosto de 2016, alguns países, ao tomar conhecimento dessa crise epidemiológica que ocorre não somente no Brasil, mas também em outros países fronteiriços como Venezuela, Colômbia e Guiana Francesa, divulgaram recomendações para que seus cidadãos (principalmente mulheres grávidas) não se desloquem a esses locais já infectados.
O CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos), (2015), recomenda precauções especiais para os seguintes grupos: As mulheres gravidas devem considerar adiar viagens para as áreas onde a transmissão do vírus. Zica está em curso. As mulheres que precisam de se deslocar a uma dessas áreas devem falar com o seu médico ou outro profissional da saúde primeiro e seguir rigorosamente medidas para evitar picadas de mosquitos durante a viagem. Até sabermos mais, se o seu parceiro sexual masculino tem viajado ou vive em uma área com transmissão do vírus Zika ativo, você deve abster-se de sexo ou o uso de preservativos da maneira certa toda vez que tiver vaginal, anal e sexo oral, para a duração da gravidez. Mulheres que tentam engravidar devem consultar o seu profissional da saúde antes de viajar para estas áreas e seguir rigorosamente. (CDC, 2015)
Essas divulgações de recomendações devem ser seguidas por outros países, ou a exemplo do Quênia que, temendo a ação do vírus em seu país, cogita a possibilidade de não enviar alguns atletas. Ações como essas têm dois lados: o lado positivo de que as chances da disseminação da epidemia para demais partes do globo diminuem e; a parte negativa é que medidas assim causam grandes impactos de arrecadação econômica durante o evento, causando uma onda de insegurança em relação à vinda ao evento.
Outro fato importante é como a mídia veicula notícias referentes a essas epidemias. Sobre essa questão é possível citar a epidemia de Ebola ocorrida em 2014, onde sua área de incidência foi na região da Costa Noroeste do Continente Africano, como mostra a figura 1. Pelo modo como a notícia foi veiculada pelo mundo, ocorreram enormes baixas turísticas em outras regiões do continente sem que possuírem casos notificados. Na África do Sul, por exemplo, localizada no Sul do continente e bem distante da região afetada, houve baixa no fluxo de turistas durante o período de apogeu da doença, como é possível verificar na figura 2.
Figura 1: Países e regiões afetadas pelo Ebola no continente africano
Fonte: Elizabeth Ervim; CDC/VSPB (2014).
Figura 2: Turismo: mundo vs África do Sul
Fonte: Stats AS & UNWTO (2014).
O estudo geográfico e sua aproxiimação com a biologia pode contribuir para que esse tipo de “preconceito espacial” não ocorra. Algumas ferramentas geográficas como a cartografia (utilização de mapas) e os satélites (utilização de imagens capturadas) podem ser utilizadas como modo de localização e espacialização em função de compreender a ocorrência do evento no espaço. Outro ponto em que conceitos geográficos podem ser eficazes é no mapeamento dos fluxos turísticos gerando um apanhado de dados que potencializariam a realização de planejamentos perante a ocorrência de epidemias e doenças.
Para não encerrar...
O avanço nos meios de transporte possibilitou a queda de inúmeras barreiras geográficas, proporcionando aumento nos fluxos internacionais. Atualmente, em poucas horas o indivíduo sai de seu local de vivência e tem fácil acesso (em termos de deslocamentos) a qualquer outro lugar do planeta.
Durante esse transito intenso de turistas, eles não levam apenas as bagagens consigo, levam também inúmeras doenças, dos mais variados tipos e das mais variadas formas, o que pode ocasionar grandes epidemias como se tem visto ao longo dos últimos anos. Em 2005, a Influenza Aviária. Posteriormente, a Influenza Suína em 2009. Recentemente, em 2014, o Ebola e, atualmente, algumas partes do globo enfrentam o Zika vírus.
Todos esses fatores obrigam aos países e órgãos internacionais a elaborar meios de prevenção e projetos de combate a essas doenças. Mas como apresentado, nem todos os países tem esses cuidados com a entrada de turistas em seu território. É necessária uma maior fiscalização na entrada de turistas, seja por meio de portos, aeroportos, ou pelas rodovias, com postos de fiscalização, e a volta da obrigatoriedade dos vistos sanitários.
Outro item muito importante é a conscientização dos turistas no que diz respeito à espacialização da ocorrência dos fenômenos epidemiológicos. Muitas vezes, lugares que não enfrentam as epidemias, veem seus índices turísticos despencarem por conta da falta de conhecimento dos turistas sobre quais lugares são e quais não são os atingidos pelas epidemias. Sabendo disso, alguns instrumentos geográficos como a cartografia são imprescindíveis para a efetividade dessa conscientização. A elaboração de mapas localizando as áreas atingidas e destacando as áreas onde a atividade turística pode ser exercida sem que o turista ponha em risco sua saúde e de outras pessoas.
Sendo assim, o tempo urge para que atitudes mais eficazes sejam tomadas, garantindo a segurança tanto dos turistas quanto da população local. Principalmente durante a realização de grandes eventos, quando há concentração de pessoas de diversos lugares do globo e a interação entre essas pessoas potencializa as possibilidades de transmissão de doenças endógenas ou exógenas.
Referências
CDC - CENTRO DE CONTROLE E PREVENÇÃO DE DOENÇAS. Disponível em: <https://www.cdc.gov/media/dpk/2016/dpk-zika-virus.html>. Acesso em: 24/01/2016
EVANGELISTA, S. Especial para a CH Online. Cinco perguntas sobre o zika vírus. Disponível em: <https://cienciahoje.uol.com.br/blogues/bussola/2015/12/cinco-perguntas-sobre-o-zika-virus>. Acesso em: 24/01/2016
MATOS, V; BARCELLOS, C. Relações entre turismo e saúde: abordagens metodológicas e propostas de ação. Rev Panam Salud Publica. 2010; 28 (2): p. 128–34. Disponível em: <https://www.scielosp.org/pdf/rpsp/v28n2/a09v28n2.pdf>. Acesso em: 23/01/2016
PREUSS, Helmo. O crescimento do turismo Sul Africano tendas em 2014. Disponível em: <https://thebricspost.com/south-african-tourism-growth-stalls-in-2014/#.VrShuqZTuSE>. Acesso em: 23/01/2016
SECRETARIA NACIONAL DE POLITICAS DE TURISMO / DEPARTAMENTO DE ESTRUTURAÇÃO, ARTICULAÇÃO E ORDENAMENTO TURISTICO. Marcos Conceituais do Turismo - Disponível em: <https://www.turismo.gov.br/sites/default/turismo/o_ministerio/publicacoes/downloads_publicacoes/Marcos_Conceituais.pdf>. Acesso em: 15/01/2016
Gabriel da Costa Cabral
Graduando de Geografia pela UFG
Gabriel Martins Cavallini
Graduando de Geografia pela UFG
cavallinigeografia@hotmail.com
Mateus Silva Freitas
Graduando de Biologia pela UFG
mateusfreitasbiologia@outlook.com
[1] Vírus são pequenos seres parasitas formados por uma cápsula proteica que podem infectar organismos vivos (seres humanos ou animais). O termo vem do Latim virus que significa veneno ou toxina.
[2] A microcefalia (do grego: mikrós=pequeno; kephalé=cabeça) é uma condição neurológica rara na qual a cabeça do feto ou da criança é significativamente menor do que a de outros fetos ou crianças do mesmo estágio de desenvolvimento ou do mesmo sexo e idade.
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Ficha bibliográfica:
CABRAL, Gabriel da Costa; CAVALLINI, Gabriel Martins; FREITAS, Mateus Silva. Turismo e Segurança Biológica. In: Territorial - Caderno Eletrônico de Textos, Vol.6, n.8, 01 de julho de 2016. [ISSN 22380-5525].